quarta-feira, 23 de março de 2011

Reticências

...
Sou? O que sou?
Deixo elas falarem por mim...
Se existe algo de fato que possa ser definido, me indago sobre o que me define.
E cá elas estão...
Três pontos, que seguem infinitamente, empunhando em suas bainhas nada mais do que o pensamento alheio de quem as vê...
E bonitos são esses pontos, não dão um final como fazem quando estão sós. Não mais um ponto final, mas três pontos à deriva do que vier a ser pensado, sem um controle. Três pontos que vão com o fluxo d'água.
Irônicamente, há como se pensar que eles são empregados para algo que é mais do que o óbvio, e que não precisa assim mais das palavras para ser expressado - que pela simplicidade é fácil de supor o sentido.
E não sou eu assim? Ou não somos assim num todo?
Mera reticência num vulto de vida onde ninguém sabe o que quer? Onde fica, o vago futuro, a mercê do exercício de pensar?
E quão irônica é a nossa vida cujo o qual de tão simples é seu sentido, que palavra alguma precise ser dita. Ou quão complexo também pode ser que palavra alguma baste.
Somos mera reticência. Somos pontos de um final que começa assim que nascemos.
Por fim num mundo onde há espaço pra definição, ela é a minha.
E o que ela é sem mim? Sem o meu raciocínio humano?
Ela me define...
E eu defino ela...

quinta-feira, 10 de março de 2011

Fritz Lang e a felicidade

Grilos...
Quando o barulho cessa, são o único som da noite.
Noite longa essa, a tv no mudo, as cenas de Fritz Lang sem som.
Dois dias atrás, enquanto pensava em pensar, cheguei a conclusão de escrever um texto feliz. Sem muitos pontos finais, sem aquela nuance triste em lá menor. Aquela felicidade de ir ao cinema em um domingo qualquer. Pensava em rezar aquela ladainha racional da felicidade que não se precisa almejar, da busca por um ideal de felicidade socialmente construído; continuaria dissertando máximas da ideologia alemã, sem interesse algum de um ser-humano qualquer, simplesmente por serem-humanos felizes.
A dois dias átras... hoje não.
Com o rélogio marcando quase quatro, não sei o que dizer sobre felicidade, o que me leva a pensar que talvez não seja feliz. Eu costumo, e aprecio saber o que dizer sobre o que sinto, logo ou felicidade não se sente, ou eu não sou feliz.
Nenhuma das alternativas me deixaria surpreso, tão pouco feliz.
Talvez esteja aí o problema da falta de felicidade. Não me importo mais em saber as respostas das perguntas que sempre aguçaram minha vontade, e como disse nosso estimado alemão, o mundo é vontade e representação, vontade essa que constitui parte do meu conhecimento, da minha razão, razão essa que me falha agora, me tirando as palavras que a dois dias as tinha fresca como tinta na ponta de uma pena, pronto pra escrever um texto feliz. Essa falta de interesse sobre as questões que regeram minha vida até aqui me fazem concluir que não é  por saber demais que me falta a felicidade, pois o que sei é muito pouco, ou quase nada, sendo assim me pergunto: se eu soubesse o que é a felicidade ainda assim não seria feliz?
Contudo uma coisa eu posso concluir, a felicidade não se alcança fazendo algo, não se baseia no verbo fazer, em agir, ela não é resultado de algo que você faz, mas pelo contrário, ela deriva das coisas que não fazemos, no ato de não fazer, não sei se é possível não fazer algo pois não fazer é fazer, fazer nada afinal, mas vou manter-me nos limites da análise sobre ser feliz, logo nesse contexto colocarei o não fazer como o oposto do fazer, sem qualquer merda filosófica de final de carnaval.
E há quem possa dizer que viver a vida em sua magnitude explendorosa cada dia como se fosse o último seria algo que torna um ser-humano feliz, mas só de pensar no que você pode fazer pra se tornar feliz automáticamente te deixa triste justamente pela impotência em conceber tudo o que o desejo humano almeja, e isso exclui a possibilidade de ser-feliz  das pessoas menos favorecidas à margem social, mas ainda assim alguém pode ser feliz fazendo isso, julgando pelo fato de eu não saber o que é a felicidade, mas eu não consigo.
Pra mim a felicidade está em não fazer, fazer é fácil simples e prazeroso, não fazer é conveniente, doloroso e difícil de se conceber, mas é extremamente libertador. E não há coisa mais feliz do que essa sensação libertadora, e quando eu digo liberdade não é me refiro aquele clichê de um status utópico e mesquinho de revolta juvenil burguesa, me refiro em ser livre de nós mesmos. A liberdade que se tem quando você se depara com as coisas que você não faz, esse limite que é imposto quando você se submete a não fazer algo é incrívelmente difícil para alguns, podemos fazer tudo, porque tudo nos é permitido, mas a conveniência é uma merda! é cômoda e não te leva a nada, não devemos fazer algo por conveniência, já não basta o mundo viver assim, não se obtêm a felicidade sendo conveniênte, mas se busca decididamente, é difícil, mas como eu disse é libertador, e é aquela liberdade que só se encontra no nada.
É na perda da esperança que você encontra a felicidade. É perdendo tudo que você está pronto pra viver.
Como disse Tyler Durden: "I say never be complete, I say stop being perfect, I say lets evolve, let the chips fall where they may"
É por isso que eu ainda não sou feliz.
O som dos grilos ainda ecoam pela sala.
A tv continua no mudo, Fritz Lang ao som dos grilos.