quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O suficiente


  O desenrolar do laço preso no bracelete, um laço azul de cabelo preto, um bracelete sem cor preso no braço moreno: minha relação com ela.
  ana no fundo da sala. mariana. Noites em claro, o crase na minha fugaz autoestima, me impelindo ao passado, ao que já foi dito, um niilismo lindo e belo, um bom gosto pra sapatos, um buraco na vastidão dos meus vinte e oito anos.
  Furtava a tiros meigos de beleza meu lanche no colégio. Não suportava a ideia quinze minutos depois, mas caminhava com ela de volta pro bairro. O singular sentimento que te atrai enquanto te repele.
  Estruturei minha subjetividade na dicotomia tê-la e não tê-la, subjuguei muitas vezes o bom senso (prova de que dúvidas nunca são metódicas), cresci na sombra do vestido dela sem notar que o sol continuava a queimar; o universo era maior do que aquelas pernas grossas, só percebi quando ela me disse que estava grávida, onze anos depois.
  Toda a narrativa estupra a contingência. Toda a contingência estraga os prazeres do narrar.
  Desperdicei muitas horas sentado no vaso fechado do banheiro tentando entender mariana. Levava uísque às vezes, pra disfarçar, um alento. Depois de tantos anos vejo ana no fundo da sala sendo mariana. Do balé, da saia do crochê, do cabelo desgranhado, que perdia o ônibus na frente do prédio. Vejo ela na menina que ponho no berço todo dia. Deixo ela na menina que tiro do berço e vejo crescer, da noite pro dia. Carne da minha carne, fruto de outro ventre, mariana: o laço preso no bracelete. Sem intenção determinada, uma união causal, um lapso de confusão que não consegue mais se desligar sem estourar-se.   Como toda causalidade, um hábito humeniano. Mais denso que um vício, porque todo o hábito é mais denso que um vício, não se faz sentir até desalojar todo um sentir autêntico sem abstinência, sem recuperação.
  No fim do texto percebo que fugi do amor, e sinto a necessidade de pô-lo em relevo.
  Assim como sem mariana não há fundo nem texto, sem ela não sou, e isso é o suficiente.