terça-feira, 16 de outubro de 2012

Da curta vida de Tenório

  Esmigalhando farpas de cana-de-açúcar entrepresas em seus lábios Tenório fugia o olhar para o nada; um borrão de imagens desfocadas elucidava seus inertes pensamentos. Ali, onde as horas demoravam, o vislumbre do futuro se mostrava imortal, insosso como uma vida sem morte, inexorável; tudo aquilo para Tenório, suas elucubrações ignorantes e modestas sobre o que sentia era demasiado definido, austero e constitua-se em um presente que nada mais viria a ser se já não era aquela altura.
  Um autônomo comerciante ambulante destoante genuflexo rastejante, humilde alienante, sensibilizado pequeno ser. À luz de seu passado Tenório era desdouro, um deslustre encabulado de desejos que viraram sonhos que desfaleceram-se em sombras, estas que acolhem em seus braços a doce amargura de se seus muitos anos.
  Não vendera bastante aquele dia, o clima não contribuiu ao prazer do suco da cana. "Mas quem fatura tanto nesses dias? " Tenório suspiraria se ao menos alguém estivesse a escuta-lo. O resto das farpas Tenório cuspia no chão enquanto terminava de empacotar tudo. E o tudo não era nada se em casa não houvesse alguém a lhe esperar. Em sua humilde complacência de si mesmo perante a tudo aquilo que mitigava sobre sua tênue situação que convalescia sua vontade de viver, Tenório de certo que aquilo tudo era demais ostentoso para a sua resignada auto-estima que o fazia crer que a vida é mesmo assim, seguia embora cabisbaixo para casa pois amava. E o seu amor não lhe fazia menos desgostoso com a vida, tão pouco lhe dava brio e expectativa, mas amava porque se assim não fizesse nada haveria de ter, nada haveria de ser. Amava-a e isso a deixava feliz. Ela era teu ser mais próximo, tua senhora; na insensatez de suas elucubrações amar lhe trazia um sentido, e aquela altura de sua vida, Tenório diria honestamente, sorrindo humílimo, que esse era o único sentido de seu viver.