segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O ser feliz

A felicidade que se procura é a felicidade que se tem.
O ser feliz caminha pela calçada. O ser feliz é oprimido quando se vê preso. E o ser feliz sempre está preso. 
Preso em seu entendimento de ser. Preso em seus ideais insólitos. Desfalece-se ao simples sinal de angustia, e a angustia sempre vem. O ser feliz nunca quer ser triste. O ser feliz não constrói nada, e pensa que sabe construir. Pensa que existe algo além de sua vida insuportável, pensa que existe uma vida que não seja assim. Desdenha os acontecimentos e procura sempre algo que não se pode ter. O ser feliz quer ser mas não é. O ser feliz se indaga: o que é? 
Novamente perdido, o ser feliz foge da vida. E que culpa ele tem? A vida se mostra tão incrivelmente opressiva. Ele se oprime. Na busca por libertação se oprime. Na busca daquela liberdade que foi tão almejada ele se oprime numa liberdade inexistente. Se oprime por saber. Saber que está fazendo de novo. 
Assim como aquela mulher foge do homem quando se compromete demais, quando a intimidade lhe bate à porta... O ser feliz corre. O ser feliz quer algo, talvez no fundo a intenção quando é extremamente necessária, se fortalece. Talvez o talvez seja certo. A metade de chances pra isso. Certo como quando se quer algo. E ele sabe o que quer; sempre soube.
E no fundo ele não liga pra opiniões, nunca ligou. Já tomou várias atitudes. 
A vida é extremamente volátil. Frágil a ponto de cair num sopro. Insensivelmente profunda. E de tão profunda não se vê o fim. Mas o fim sempre é um só.
A morte...
Nas palavras de Heidegger:
"A morte não constitui um fato exterior que se agrega ao nosso ser,
mas participa de sua constituição fundamental como sua possibilidade
mais própria., irremissível e insuperável, 
somos um ser para a morte."
Um ser feliz para a morte.
O ser feliz vai morrer!
Mas por enquanto o ser feliz vive. Vive e não sabe porque.
Vive por que ainda precisa viver. 
Vive. E sabe que nada mais é preciso do que viver. Toda a construção social, por mais idealista e a certo ponto onírico que isso possa soar, é pura e simplesmente social. Está é a vida; mas é a vida que todos querem viver, se não seria. Mas o ser feliz quer a sua vida. Não sabe onde ela está, não sabe como alcança-la nem se ela existe ele sabe, mas o que ele tem agora ele não quer.
Resta saber se algo ele ira encontrar...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Na margem do rio

Era uma vez uma bóia...
Azul escuro era sua cor. De longe se via ela descer o rio. Rio de águas frias, negro. O rio era tua vida, e a bóia seguia vivendo, ao longo do caminho sentia estar vivendo, sentia que percorria um caminho, um caminho natural e único, posto que alguém à colocou na água, era difícil conceber outra realidade.
Ao longo do extenso rio, o tempo passava, o sol brilhava e se punha, a noite trazia a escuridão quando volte-e-meia a lua teimava em se esconder.  Escuridão essa que nutria o desespero em nossa bóia. Essas noites escuras afloraram-à peculiares pensamentos: de que talvez não tivesse escolha, que talvez o rio não fosse a sua vida afinal, de que a vida não nos leva assim incessantemente sem termos a opção de escolher não fluir água abaixo. Esse pensamento subitamente deixou a pobre bóia numa profunda angustia, e a medida que o tempo passava, ela continuava descendo, e descendo. A vida que ela imaginou ser a dela, era uma vida imposta, ela sempre descia, sua verdadeira vida, àquela a qual o sentido viria, era uma mera visualização de uma vontade que ela não tinha como alcançar. Só existia a vida no rio.
Subitamente ela se perguntou: Não teria sido eu que me joguei nas águas desse rio? Até que ponto eu posso pensar que fui colocada nele? Me atirei por pensar que essa vida no rio era linda? Que as águas correriam sempre me levando, me levando pra um final esclarecido e transcenderia a minha existência?
A verdade. Essa sim machucava a bóia. E não era aquela verdade objeto de desejo dos pensadores. É aquela verdade que vem de dentro, a verdade que só ela podia descobrir porque era a sua verdade.
Nem o rio, nem essa vida fora dele. A descoberta de que sua escolha era de fato essencial. Notou que era um pouco tarde. A vida continuava passando. A bóia deve arrastar-se pela margem, se arranhar, se machucar, lutar contra  a água que à puxa, que puxa tua vontade de viver fora d'água. Mas no fim ela ira sair.
Na margem do rio seu olhar será sempre nostálgico, a vida dentro d´água tinha seus encantos.
Na margem do rio ela ira sorrir.
Na margem do rio.

sábado, 13 de novembro de 2010

Escrevo pra dizer que escrevi hoje. Pra dizer que havia dito algo. Pra sentir que sinto.
Escrevo pra pensar. Escrevo enquanto penso, e penso em escrever.
Penso na vida, na futilidade de se pensar na vida, no clichê de se pensar em viver.
Penso logo vivo, vivo no escuro do pensar.
Entendo que o entendimento é desentendido.
Entendo que sei o que não deveria saber. Sei que não preciso, mas precisamente do que o sei.
Brinco com as palavras para me enganar de que elas prestam.
Escrevo pra dizer que hoje eu escrevi. Pra que alguém leia, pra que ela leia, elas.
Elas guiam.
Elas me arrastam.
O que meu pai diria? Mulher? Hum?
Escrevo pra você ler, pra você comentar, pra você logo em seguida esquecer.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Ser casado num mundo onde não se sabe o que é casar

Uma vez ele perguntou a ela...
Perguntou a ela "pra que serve servir?"
Ela suada jogada na cama, enquanto tentava acender um cigarro, respondeu "servir serve pra você ter algo pra fazer da vida."
Ele continuou perplexo, levantou da cama, sua sombra à luz dos postes que brilhavam da sacada do primeiro andar, trazia uma imagem densa e onírica. Puxou com os dedos do pé sua cueca vermelha, e enquanto colocava perguntou novamente num tom suave e impostado: "Você se sente útil me amando?"
"Porra! Que tipo de pergunta é essa?" disse ela alterando um pouco a voz.
"Ora, é ruim porque você não se sente ou por que se sente?" indagou novamente o homem enquanto se encostava na grade da sacada.
"Tu não consegue vislumbrar quão idiota foi essa pergunta?"
"Qual delas? A primeira ou a segunda?"
"Porra meu! O que aconteceu contigo?"
"Não sei, só me peguei pensando nisso."
"Afinal, quem disse que eu te amo?"
"Tua mãe me disse."
"Caralho! Você falou com a minha mãe sobre agente?"
"Qual o problema? Ela queria saber sobre a nossa vida sexual. Estava preocupada, sempre me dizia que isso era fundamental na vida de um casal. Ela costumava me dizer que, quando o sexo é bom ele é dez por cento da vida do casal, e quando é ruim, é noventa. Bom... faz sentido."
"Faz sentido? Que porra é essa? Nossa vida sexual é ruim?"
"Ah, não sei amor, queria dar uma no chuveiro de vez em quando depois do trabalho."
"Meu Deus... Não sei o que pior, você falando com a minha mãe sobre nossa vida sexual, ou isso agora!"
O homem caminhando em direção a cozinha, enquanto fazia uma cara perplexa porém inocente, quase ingênua, como quem pensa na vida disse: "Acabou a banana amor?"
"Se acabou a banana!? Vai se foder! Que diabos eu quero saber de banana agora? O que mais você acha de ruim na nossa vida sexual?"
"Ah! Achei uma aqui, estava atrás do saco de maça... Bom amor, eu adoro você né, seus peitinhos e tal, o cheiro do teu cabelo, o corte perfeitamente simétrico de suas pontas louras. Adoro os dedinhos de sua mão pequena, e da curvinha da tua cintura. Na verdade eu só queria dar uma no chuveiro de vez em quando, só isso, sabe? Podia ser na quarta depois da janta, não assisto futebol mesmo. Quarta-feira é um dia de cão no trabalho, umazinha em baixo d'água ia ser perfeito."
"Poxa amor... que gracinha você é... Quer ir pro chuveiro agora?"
Naquele momento após a pergunta, ele parou de comer a banana, jogou a casta no lixo, terminou de colocar na boca a pontinha do resto banana, subiu o olhar que permanecia compenetrado, e calmamente disse:
"É... agora não."
"Porra meu, agora não? É nessas horas que eu não entendo você!"
"Pensando bem, seria legal também, de vez em quando, dar uma na sacada, num domingo de manhã depois do café... é... seria perfeito!"
"Aff... definitivamente eu não me sinto muito útil te amando."
No exato momento em que ele compreendeu as palavras que ela havia dito, num estado de choque, o que outrora era um semblante angelical e calmo agora dava ares de confusão.
"Puxa! Eu sabia... Enfim, agora você vai ter que me responder, já que não se sente útil me amando, pra que diabos serve servir?"
"Cacete! Onde anda tua cabeça? Servir, porra, é... Servir pra alguma coisa faz agente se sentir menos idiota, no mundo sem sentido que agente vive! Pra que serve servir... Aff... Não sei porque a tua fixação nisso agora, só porque você é vagabundo não quer dizer que você não sirva pra nada."
"Vagabundo?"
"É amor, modo de falar, aquele seu trabalho de merda lá as vezes me confundi."
"É verdade... nem me fale. As vezes não sei porque eu trabalho ainda."
"Nem eu.  Meu trabalho não é lá grande coisa também, pensando bem é um lixo."
"Foda..."
"É..."
"Amor?
"Oi?"
"Posso te perguntar uma coisa?"
"Ai ai ai, você tá foda hoje... pergunte."
"Porque agente está junto?"

Uma vez ele perguntou a ela...
Uma vez.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O presente num lapso de tempo

Se constrói um laço com o futuro. Pensa-se que na vida tudo está por vir.
Mantenho-me inerente a realidade até a hora em que ela me bate a porta.
Mas la fora é frio...
A vida realmente é muito mais do que a realidade? Ou habita nos confins de nossos desejos e sórdidos pensamentos, uma fábula de bençãos e prazeres que nunca poderemos alcançar? É, essa liberdade, algo que transcenderá o ser? Somos ainda presos por não saber que tudo o que precisamos são alguns amigos, auto-conhecimento e liberdade? E sendo assim o fato de saber nos libertaria? Até onde existe um padrão para o que o ser-humano precisa? Até onde podemos ser livres?
A breve experiência que vivi, me diz que a liberdade é tão cruel quanto a alienação. O desamparo de saber que tudo depende simplesmente do nosso querer, por mais absurdo que pareça, me desperta uma náusea e uma angustia, por não saber que fim dará a minha escolha, e vivo isso por ainda me apegar a algumas respostas e condições morais de certo ou errado. Mas não sei até onde é possível disso me livrar.
Não sei o que eu quero. Mas ao menos agora sei que quero querer.
Não sei o que vou fazer. Mas agora sei que farei algo.
Aquele laço que construímos com o futuro, uma hora estica e te arrasta pra ele. O presente não existe, ele já é passado a cada segundo num lapso de tempo. O futuro é o que escolhemos fazer.
E o mais tragicamente cômico, é que sempre escolhemos algo, escolhendo ou não.