quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O estranho mundo da mulher amada

Adormeço.
Acordo em seu quarto, no chão, e não te vejo.
Abro a primeira gaveta da cômoda branca forrada de adesivos. Afundo a mão em algumas calcinhas, enrosco o dedo em um sutiã preto surrado, mas no fundo encontro uma caixinha de madeira. Caixa esta que insiste em não abrir: arremesso-a no chão. Papéis se espalham pelo ar e algo duro cai. Reparo bem e distinguo um dedo anular ornamentado por um anel de prata.
Acordo novamente. Agora deitado sozinho no colchão. Olho pro lado você ali está, dormindo.
Te acordo com um beijo, você sorri. Lhe conto sobre o sonho estranho que havia logo a pouco me ocorrido, novamente você ri, agora de forma mais recatada, frágil e comedida.
 Faço um café, busco um pão e coloco a mesa. Você custa a vir, mas vem. Senta-se em cima de uma das pernas entrelaçando um dos seus pés brancos no pé da mesa enquanto o outro dança ao léu. Come uma torrada, reclama do café, me beija e se tranca no banheiro.
  Me retiro até a varanda apanho o jornal, sento no primeiro degrau da escada e logo desisto de ler qualquer coisa. Fico sentado olhando pro quintal do vizinho. Uma criança pula corda sozinha. Sua mãe ao fundo deitada na rede cochila tranquila. Reclino até encostar as costas no chão de madeira. Olho pro lustre embrenhado em teias de aranha. Um inseto preso se debate inutilmente. Após alguns minutos olhando pro inseto condenado meus olhos lentamente se fecham. Perco o tempo. Em seguida ouço passos se aproximando. Uma brisa carrega o teu perfume. Você se deita ao meu lado em silêncio.
O tempo passeia livre.
Abro os olhos e me viro. Você me olha e diz "fui tomar banho e lembrei que te amo".
Uma sensação quente de perplexidade afetuosa sobe por mim até avermelhar as minhas bochechas, eu sorrio sem ter o que dizer. Volto o olhar para cima novamente, envergonhado, e percebo que o inseto escapou. Mas logo me vem a sensação de que talvez ele esteja morto.
Solto um suspiro e pergunto "foi por isso que você demorou?".
Você me olha risonha e responde "não, o resto do tempo eu fiquei tentando te esquecer."
"Não funcionou, né?" repliquei.
"É..." você respondeu.
"O amor é meio assim afinal" eu digo.
"Meio o que?" você pergunta.
"Um exercício de incapacidade prazerosa e uma constatação feliz." eu respondo.
"É... deve ser... hum, não..." você resmunga algumas sílabas "é..." você afirma suspirando.
"Quer ver um filme?" eu pergunto.
"Quero" você responde.
A vida sim segue livre.