terça-feira, 19 de novembro de 2013

A necessária morte de Gabriela

no verde escuro olhar, a luz se faz, a menina se faz;
os olhos firmes temem em oração, esquece-se a dor, e o que já não for;

não da mais pra sentir o chão
é pouco o senso, há de se acostumar
na estima que pouco se vê, nas orlas do velho sambar,
a voz que sussurra baixinho a rouca paz que alenta o amar.

pode ser que soando assim, o só se permita sonhar, o nó se desfaça no ar;
no risco de nunca se ter, a angustia de-si para o mar, que bate e volta quão longe se vá;

não da mais pra sentir o não
é pouco o bom senso, há de me perdoar
na estima que tende a sobrar, nas horas extenso pesar,
a paz que alentava o amor agora sussurra baixinho:
gabriela.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Afasia Sensorial

Um que sem por; pra ela, Joana, alojada no sofá, os pés acoplados em duas almofadas assimétricas, a vida às 03:14 da madrugada era um chá de bebê azulado, choroso; nas entrelinhas uma pauta sem silêncio arrotava fragmentos do dia interruptamente: a revisão de um 20deagostoqualquer que insistia em tomar café pra não dormir, um mendigo com frio pedindo esmola na frente do Itaú laranja como o suco do almoço; artificial, forte, gordo, um sono de púlpito, as pálpebras em queda livre até as 5 horas e os 30 minutos de ônibus servindo ao sonho, uma bruta vontade de jogar o corpo no colchão felpudo; Joana viu o sofá e caiu, e o sono catastrófico morreu; porque?
Um quem sem dor; o fundo de sintetizador 001 sax-tenor abafa o grunhir sexual do porno broxo do canal 42; Joana asfixiada de tanto ar, reparando no fundo à esquerda do bumbumquenãotomousol do Jimicock do canal 42 há um abajur igual ao seu, branco com uma flor segurando a lâmpada vagaluminosa; às 03:33 a vida era um chá de bebe de rosemary; as pastosas lembranças do dia antes insistentes num lapso, como o gozo estereotipado na tv, eram um vácuo no universo negro dos cabelos  enroladinhos de Joana; era percepção; constatação vazia de que não era por não estar com alguém, amargo era perceber-se só; e o sono massageado fortemente nos broncos da razão acordara cuspindo; ninguém.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O sonho de uma noite de inverno

 Num sonho Marina esvoaçava, juntava as peças soltas de seu cabelo ladrilhado; cubinhos espelhados refletindo vento, Marina respirava água e sorria flor, inspirava fôlego enquanto do mundo nada se via.
 Havia o céu por debaixo da praia assoviando sol, havia ondas que subiam e desciam a parede do quarto onde Marina era mar; minúsculos flocos incolores de areia desenhando, Marina molhava o futuro logo ali ao pé da montanha mágica; gotas que limpam a morte, enquanto do passado nada se via.
 Tudo era azul. Todo aquele nada branco contrastado no vestido ofuscava; Marina flutuava sem chão, ouvia-se no fundo a melodia da praia sem tom, um lar dodecafônico de um ar acalmador, a estética de um belo sem som, da boca de Marina nada se ouvia, era mudo seu falar ao quem quisesse ouvir.
 Na falta de som havia o ver; ver que ali nada havia se não escuro, e esse escuro cantarolava como pardal de manhã, tal escuro incomodava o ombro encaixado no colchão, esse escuro era meio-dia, era travesseiro, era tudo o que estava ali, era vontade de voltar a dormir.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Track 1

Em meio a desordem afã, teu sonho só sorriu, um pranto em sol vestiu, um puro nó de navio, um sonho vil...
Por entre as poças, as pernas: moça meu bem! quase se pôde ver, as velhas coxas de algodão, o despudor em vão, quase se viu...
Na breve manhã, há de se ter o amanhã de se ter, há quem se engane sobre o ser, ser desalmado enquanto ser, enquanto a breve e doce tristeza sensível, pela velha manhã, se pôr em branco no preto café de sachê, café de quem crê...
Sutileza me vem, singela apatia que ama dolente a pobre morena cor de pão;
A velha certeza me vem, por ela a sincera inocência sofrida calçando sapato sem meia, descobre carente a razão;
E a mesma flor murchou;
E o trevo da sorte se fez hortelã e baço murchou;
A jovem Graciliana se arrefeceu, choveu no chão seco de vidas, coberta de penas  no rio murchou;
Sem pétala, sem dor, sem dó, sem cor, sem lá menor se expor ao vento insípido em par com Deus, a par que só se murcha quem viveu.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Für Elise

Liebe ist keine Liebe;
Para ti que não és nada além do que sinto;
Elise inaugural de minh'alma, metamorfose de meu cerebelo;
senso afetivo de mim, alento à vagabundagem doce, horas inertes de vida;
escavas o barro do meu peito, suprimi as lágrimas em devaneio, alento à depressão;
Elise sem rosto, sem cheiro, sem hábito se não: ser nada além do que sinto;
Liebe ist keine Liebe;
Por não ser oprime, por não ser suprimi;
corrige o ar, inspira o tempo;
despercebe-se como clareira de mim;
por não ser agride, por não ser Elise.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

"Pathetique Sonata"

  Percebe-se introvertido; um descuidado sorriso sem fim ilustra um tangível e patético sentimento. Perdera as horas, perdera o ar, manteve o chão, ainda o sentia gelado em seus pés descalços, úmidos como a chuva clichê que aspergia água nas portas de vidro da sacada do décimo andar, um descuidado alento natural. A incúria latente sob as palavras não ditas disputando peso com as proferidas mas que soaram espúrias na balança do destoante e do relevante. Suavemente o diálogo intrínseco manifestava aquilo que estava no interior e que lhe era próprio e essencial mas que ainda eram sinônimos tímidos de um sentimento que não falava por si só, mas chorava as lágrimas quentes de uma sensibilidade incógnita, incapaz de se conhecer, inerente à luz da experiência. 
  Nota-se irrefletido; uma desconfortável despedida, que outrora em sua cabeça fantasiara infinitas vezes, passara na realidade tão palpável quanto o vento; soprando longe sua elucubração orgânica, constante e condicionada; a noite se fora, tudo voava perdido a se molhar na chuva fina sacada afora até se desfalecer tornando-se aquilo que de origem sempre fora: um patético sentimento.