quarta-feira, 27 de abril de 2011

Esperando acontecer o que não me fará mais esperar

Espero.
Na sutileza de um acolchoado debruço minha cabeça e aguardo.
Aguardo a chuva que não vem. Há cinco minutos o vento alertou-me de que ela existia, soprando na fresta da porta os murmúrios de um ambiente aconchegante que as gotas minúsculas trazem ao caírem de mansinho nas telhas umedecidas do telhado. Mas agora passado esse tempo ela não veio.
Sua ausência por conseqüência ficou aqui presente, visto assim que até a ausência por fim existe, e como existe!
Essa ausência que permaneceu trazendo esse mesmo sentimento de conforto, de sossego e paz que outrora só vinha com a presença real da chuva, me fez ver que de fato ela se encontra além das gotas oriundas do céu, ela está alojada em mim. Ali onde a vontade é sucumbida, como diria Schopenhauer, ela está. Ela é a minha fatia do bolo de  glacê do transcendentalismo que habita o mundo das idéias. Entendo agora que ela venha fácil e sempre com a chuva, que é tão bela e afastado do querer, mas não é da chuva que ela nasce, e como poderia?
Por fim agora me indago o que mais me leva automaticamente a essa conforto platônico, assim tão simples, pouco burocrático e intelectual como os livros de filosofia, simplesmente me afundando num prazer de expressão, as vezes poderia ser um sorriso de minha mãe quando eu levo o café até a mesa nas tarde quentes de Cachoeira, mas esse sorriso só me traz o conforto e não a inspiração depressivamente doce.
Me resta aguardar. Não insistirei mais em tal indagação, deixarei-as vir assim sutilmente até mim desapercebidas da reflexão intelectual, como há cinco minutos quase veio a chuva, talvez assim esses fenômenos serão mais eficazes julgando que são raros os momentos em que o querer se afasta.
Como será a próxima vez que a chuva cair?
Espero.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sobre uma ausência ainda latente

 Assim como um coração que ainda bate, onde nos pulsos se pode sentir a vida palpitar, habita agora aqui dentro a ausência ainda presente. Na tênue linha que defini o estar aqui, do já não estar mais, se encontra dividida também a certeza de que por aqui ainda se pode pressentir a sua presença embora já não posso mais sentir num abraço aquele existir.
 Assim como os ponteiros de um relógio que separa um segundo do outro, se consiste a fragilidade da vida que se ressalta na ausência que toma todo o ser. Essa ausência tão presente agora, tão palpável, tão amarga e doce ao mesmo tempo, amarga por não se sentir ao toque, e doce por ainda te manter aqui no coração a palpitar, vivo, na lembrança de um sorriso, de um olhar sereno e vivido de quem muito sabe sobre a vida, num andar calmo e compassado como a doce melodia de um antigo violão, vivo nas palavras que foram ditas e nas que se expressaram no silêncio.
 E o que é o amor se não isso? Algo que se expressa no silêncio, algo que se consolida num viver presente, numa vida compartilhada, num se relacionar em pról de um outro ser. Algo que se fortalece num abraço forte e longo, onde os corpos se unem, onde a sutileza de um toque desmonta qualquer mágoa, onde o amor se define.
 E é nessa ausência ainda latente que jaz em mim agora em prantos, tão consistente e suave como as lágrimas que escorrem pelo rosto, que esse amor toma ares de eterno. Cravado no coração esse amor agora não mais existe somente no lado humano, mas sim, vive agora também no céu.



*Em memória do vô Chico...

terça-feira, 12 de abril de 2011

Sobre ela

Foco meu pensar no escrevê-la, mas já caí onde temia.
E esse vento que escorrega pela parede até mim, asopra friamente esse fato. Não tenho mais a depressão doce que alimentava a solidão. Tenho só, sim, a mim e a ti, a pretensão de unir-nos e a constatação de que nada tenho enfim. E se posso ter o "não ter", isso me alegra: num horizonte dialético tenho-a aqui. E aqui o "a", vai além de uma primeira letra de um livro alfabético, vai além de minha capacidade de organizar uma relação humana em palavras. Mas não vai além daquilo que se pode sentir.
Escreve-la é tão inimaginável quanto racionalizar o que sinto. Senti-lá da o sentido que a ausência das palavras me rouba. Dá a ela um sentido pro sentir, e a mim a incapacidade em descrevê-la.
Já não foco mais o meu pensar. Pois se penso existo, e se existo é aqui, e aqui ela não está.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A porta

A porta não abria.
Com seu punho fechado ele esmurrava incessantemente, mas ela não abria. Pequenas marcas de sangue se desenhavam delineando na madeira a fúria de um ato. Um ato; ele era isso. Mero e fútil ato. Sua vontade não sucumbia ao puro fato da porta estar fechada.
Por toda a sua a vida as portas se mantiveram fechadas. Por toda a sua vida ele resistiu. Mas naquele momento ele queria entrar. Houve um determinado momento em que a luz era necessária por inteiro; já não bastava aquela fresta, aquele fio de esperança que entrava por de baixo da porta.
Aquilo que ele esmurrava podia ser qualquer coisa, mas era uma porta. Para ele não passava de um rosto pálido de alguém que ali não estava quando ele precisou. Sentia abrir a pele por sobre seus punhos, em sua cabeça já não se podia dizer da onde o sangue jorrava. Seus pés firmes. Seus olhos lacrimejando. "Me tire daqui!" ele dizia.
 E aquilo, que para ele era um rosto pálido, agora sorria, os dentes sujos de sangue apareciam um-a-um, a testa franzida, o olhar sereno. Sua vontade sucumbiu. Ele já não batia mais. Não queria saber por onde andava aquele ser ausente. Não queria mais buscar ajuda. Já não queria se ver livre da solidão. Seus olhos aos poucos foram acostumando com a escuridão negra, lentamente a luz que antes mal se via entrar por de baixo da porta, tomava o quarto por completo, trazendo vida. Sua mão ficou mais leve, ele havia parado de chorar, somente uma gota atrasada caía, deslizando abaixo por sua face até o nariz.
Já enxergava a maçaneta.
A porta abriu.