domingo, 26 de outubro de 2014

A Festa da Democracia: um Prelúdio à Sombra de Zaratustra

  À luz do contraste esmagador entre o evangelho desse domingo, 26 de Outubro, e as manifestações em massa após o desfecho das eleições desse ano, espreita mais uma vez a figura de Zaratustra; das pontas do bigode nietzscheano ecoa o sussurro: niilismo!
  No cerne de toda a fundamentação política, na essência de qualquer conjectura social se encontra o humano, o ser humano social, político, um humano que sente-se impelido ao próximo, aquele humano que se ajunta para aprender, que depende, que enlaça em suas realidades a necessidade de comunhão, de relacionamento afetivo, carnal; em sua dimensão mais pura: o espiritual.
  Do eterno retorno se mostra presente somente o ciclo abominável da total falta de sentido dos valores vigentes. Um arroto de Justiça, Honestidade, Bem Comum, Amor, sem a menor fagulha de sentido por trás de cada um desses valores, desse reflexo social hereditário de manifestações de linguagem pura e simplesmente, habita o mais rancoroso, vingativo e reprimido niilismo.
  Qualquer rastro daquilo que foi uma vez a noção de dignidade humana, após esse domingo se evaporou de vez. Disseminações de ódio e xenofobia desenharam a silhueta da total falta de sentido de todos os valores de nossa sociedade. Restou a manifestação de um niilismo sem memória. Um niilismo que se esquece dos tempos tenebrosos do Terceiro Reich, da segregação racial Sul-africana e Americana.
  Um sentimento que se entende como racional, mas que não consegue enxergar a absurda cegueira que se encontra. A mais pura irracionalidade que se julga racional: o mais terrível tipo de consciência!
  Um valor que se entende como absoluto e verdadeiro, mas que não vê sua completa opacidade, seu fundo oco de sentido. Do humano nos resta o mais pobre, medroso e irracional instinto egoísta, que consome e se  auto-destrói.
  Da imagem e semelhança divina, que fundamenta a dignidade mais absoluta do ser humano, hoje nada vemos. Do Sim que reverberaria uma afirmação a vida em sua total potência, nos sobrou um coro de calamidades e atrocidades de uma sociedade que se encontra em festa: a festa da barbárie civilizada.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Sobre ti, sobre qualquer coisa aqui dentro

Podia ser a chuva que caia esfarelada no ar; aquele frio se escondia nas frestas do cachecol, onde a cerveja esquentava no fundo do copo;
Podia ser a sensação de se notar perdido em meio a muitos; um tanto de se estar próximo demais e se ver longe no escuro;
A noção de notá-la; o desvelo daquilo que já existia absorto, desesperançoso: um prazer choroso de gente que sente demais, que não sabe o que faz;
Podia ser as mãos surrupiando um arrumar de cabelo bagunçado; a surpresa de ser bom, de bom ser com ela, de viver;
A constatação da falta de jeito; no jeito faceiro o simples era abstrato, sumia o oi enquanto do diálogo sobrava percepção, sobrava vontade faltando culhão;
A ausência que vinha quando dela não achava o rumo; podia ser o horário demarcando a falta de dinheiro, o som das moedas menores no fundo do bolsoo som das pessoas partindo; podia ser a inconsequência inconsciente de deixa-la lá no conforto, distante das inquietações que sua presença luzia em meu juízo de neblina;
Podia ser o convite de partir à conclusão que mais perto à trazia; o caminho com os faróis notando as gotas ligeiras; a musica que não se escolhia, que não queria soar, mais que ocupava ingênua os espaços que o excesso de pensamentos abria no diálogo intermitente;
Era pra ser um caminho eterno, as quatro da manhã toda a narrativa é lenta; podia ser o fim mas no meio havia uma porta fechada que sentia falta da chave que sumirá; podia ser um alento, um lento prazer de se estar, de estar simplesmente;
Podia ser tudo; e foi boanoiteumbeijosecuida; foi depressa demais pra ser mais do que uma lembrança que quer ser de novo presente de um futuro incerto.

domingo, 9 de março de 2014

Sobre literatura, mulher e fim

  No fim era terror sem deixar de ser amor; de mãos dadas, enroscadas soltando ferrugem na saída do inferno pra entrada alentada do céu azul: era amor sem deixar de ser terror.
  E o homosapien quando soube se viu tarde pra sentir; iluminado pelo sol da razão poente, o terror era esfumaçado demais pra se deixar notar, inspirava-se pra depois soltar, na mesma dependência mecânica do oxigênio, numa experiência que não gerava conteúdo, sem teses sobre o ser, sobre o ar, nesse período o homem não sabia amor, não sabia conjugar.

  No meio era estupor, eram fábulas sobre dois seres sendo um sendo ainda dois; o terror se escondia nas hereditariedades do poder, na história do amor perene, nos vestidos arrastando o pó dos salões de taco, o gênero se dividiu, do fictício absoluto restou os hábitos do terror, a mulher transgredia as leis do amor conjugado pelo homem, o terror era seu sapato de cristal.

  No começo era vida sem pensar no deus terror; no além mito da mulher ontologicamente adversa havia de surgir o amor além do verbo; além do ser, no início, nada se tinha que se possa ser escrito. Consubstancial: a vida humana era amor vivo, do terror nada se tinha, era ficção demais pra existir.
No começo era amor sem deixar dizer terror.