segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Espontaneidade reprimida

A vida é possuída por metáforas. E as metáforas ficam a mercê de minha pessoa.
Ontem em um bar ela disse oi e sentou. Olhei seu decote por que ali estava exposto no reflexo do pires repleto de amendoins verdes. Havia ela, amendoins, mas não havia cerveja. Tirei do bolso uns trocados, umas moedas sujas embrenhadas em notas de um real. Pisquei pro garçom de olhos verdes ele acenou e por detrás do balcão agarrou uma garrafa, seus dedos marcados na fina camada de gelo que crescia na Skol trincada; com destreza ele abriu, a tampinha voou, rodopiou três vezes e caiu.
 - Você bebe? - perguntei a moça que vestia um tamanco surrado.
 - Só nos feriados. - ela respondeu distribuindo sorrisos.
 "Isso deve ser um sinal" pensei.
 - Isso foi um sinal? - indaguei.
 - Sinal do que?
 - Sinal de sexo.
 - Não foi só um sorriso mesmo.
 - Há... e o sexo?
 - O que tem?
 - Vai rolar?
 - Não sei, você é bom?
 - Devo ser. Eu leio bastante.
 - E o sexo?
 - Bom... vamos beber uns três copos que eu crio coragem pra mentir.
 - Ha ha! - ela soltou um riso recatado tentando se conter.
 - Minto por que assim trepo, ou trepo porque minto? - pergunto matando mais um copo de cerveja com um sorriso desenhado a mão no rosto, tão safado quanto Dalí.
 - Na minha casa ou na sua? - ela responde.
 - Na sua, na nossa.
 - Ha ha! - sua risada entonada e gutural ecoa no bar como um canto lírico.

Escuto um jazz no fundo. Uma canção invade o bar. A melodia do sax tenor vai se expandindo e ganhando forma, se elevando acima das vozes, não escuto mais os risos daquela mulher. A cerveja some. A tampinha se transforma. Vejo ponteiros marcando as horas no visor do celular de onde ecoa a música.
Estou acordado.
Espontaneidade?
Sonho.