terça-feira, 26 de julho de 2011

A morte de si mesmo

O que há para se escrever que não tenha sido escrito?

Certo dia caminhava Vinicius Souza pela calçada. A caminho de uma padaria seus passos eram obstinados mas calmos, olhava para o chão enquanto o vento despenteava seu cabelo já despenteado. As moedas dos trocados que sua mãe havia lhe dado resvalavam uma nas outras dentro do bolso de sua calça amassada, produzindo um som continuo que trazia em sua mente a lembrança de pequenos sinos de natal. Algumas pessoas cruzavam a rua nos intervalos do trânsito que era leve aquela hora do dia. Pessoas bonitas, uma senhora passeando com seu poodle branco, crianças correndo sem rumo, motos, a moça do correio pedalando sua bicicleta, era um dia normal no pequeno bairro.
 Sutilmente algo cruza a frente de Vinicius, seguindo o vulto preto com os olhos ele pode notar que era um rato que saía da casa em frente. Por alguns segundos o rato ficou ali parado esperando algum movimento de Vinicius, que não fez nada se não olhar fixamente para aquela bolinha de pelos escuros que ali estava. E em completa distração, enquanto o rato seguia seu rumo, Vinicius seguiu andando, cruzou a avenida lentamente durante o verde do semáforo, e do outro lado, longe ele pode avistar alguém vindo em sua direção. Um homem forte correndo desesperadamente. Aquela figurava foi chegando mais perto e Vinicius instintivamente foi abrindo caminho se encostando na parede chapiscada. Quando o homem cruzou por ele, deixando no ar um aroma de sabonete, Vinicius acabou se esbarando ombro a ombro com o desesperado rapaz, que sorriu se desculpando com um olhar desentendido e se pôs novamente a correr.
 Se passaram vinte minutos e Vinicius caminhava de volta para a casa, em sua mão uma sacola plástica contendo cinco pães franceses, e mais alguns quitutes. Exceto pelo rato, as mesmas pessoas ali estavam por todo o caminho de volta. Virando a esquina de pé em frente a um edifício em construção, ele avista uma bolinha fazendo contraste no asfalto no meio da rua e se poem em direção ao pequeno rato que ali estava. Por alguns segundos novamente ambos se encaram, Vinicius de cócoras no meio da rua, e o rato sendo um rato na imensidão do asfalto quente. Vinicius sorri enquanto o rato segue em direção a um entulho de lixo nas margens de um edifício em construção. Vinicius segue o rato até ele sumir de vista em meio a lajotas e sujeira. Ele puxa da sacola plástica um pão francês e cortando um pedaço com a mão estende em direção ao buraco da lajota em que o rato havia entrado. Após alguns segundos uma pequena cabecinha curiosa aparece assustada, cuidadosamente o rato agarra o pedaço de pão com a boca e foge depressa de volta ao buraco.
Vinicius ri daquilo tudo se levantando para ir embora. Repentinamente algo vem de cima. Uma lajota semelhante a qual o pequeno rato agora habita vem rasgando o céu do ultimo andar do edifício. Se ouve um som abafado, um estalo molhado e oco. A lajota afunda a cabeça de Vinicius espirrando na parede recém pintada um jato viscoso de sangue. Lentamente ele cai na calçada.
Vinicius Souza não mais habita em nosso meio.
Eu matei, eu morri.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Liberdade

Não se trata de necessidade. Vai além de instinto. O que sinto por ela não nasce da vontade de ter, mas da ausência de ser.
Sou porque a amo, e só consigo amar depois que a tenho.
Nu. Sem desejos e propósitos.
Em cada suspiro sinto sua falta. Em cada sentir suspiro.
Eis minha paixão, razão de minha tristeza.
Hei de ser livre, ó liberdade?

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Nada mais do que nada

Há agora o que não havia, como sempre há de ser.
O chamo de nada mas já não se encontra vazio.
Me pergunto se alguma vez ele não esteve cheio, vivo, livre.
Salvo a parte que me toca, sinto-me em busca desse nada, tão palpável, como fogo sinto-o e a medida que me aproximo dói, me afasto pois queima.
Já não chamo doce, aquela angustia - somente angustia agora és; sozinha.
Outrora acreditava no princípio de compartilhar tal existência, hoje compartilho com a solidão o desejo, e com o tempo a espera.
Respiro um ar desesperançoso de inverno, inverno da alma. Uma após outra se vão as sensações expressas se atropelando, expressando uma vontade, expressando uma vida?
Uso do subterfúgio das questões para fugir do que não entendo.
E tão pouco me ponho a entender sobre ti, sobre o oposto do eu, o outro. Que já não sei se irei sonhar novamente em ser livre.
Não ouso perder tudo para ver que o nada é algo também. E se no nada ainda tornarei a precisar, a querer, fico com o pouco que tenho.
Deixo a angustia dançar com a vaidade, para poder dormir nos braços de uma vida descompromissada, que é algo e não nada.