quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A poucos passos de casa

A poucos passos de casa, enquanto caminho, me sinto longe.
Distante demais pra voltar, e distante demais pra chegar em qualquer lugar.
As pedrinhas rolam pelo asfalto, e eu sigo chutando-as. Minha testa molhada. O suor escorre em meus olhos.
O vento deixou de soprar, naquele instante o ar me aqueceu, parei na esquina me joguei sentado num canto.
Tirei meus sapatos.
Segui andando assim que o vento voltou, ainda estava a poucos passos de casa. Devo prosseguir, tempo livre eu tenho.
Tempo...
Quando não o tinha, sentia sua falta, agora que ele sobra, não consigo ao menos usar meu relógio de pulso: aqueles ponteiros girando me dão náuseas!
Houve um dia em que o tempo era só uma palavra, assim como futuro, responsabilidade, sociedade.
Chego até a beira do rio. Cortei as mãos ao pular a cerca.
A poucos passos de casa, eu mergulho. Mergulho mas não sinto a água em mim. Mergulho mas continuo a respirar.
Abro os olhos, estou em minha cama. Olho pro chão e lá estão meus sapatos.
Levanto.
Estou em casa.
A poucos passos de mim.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A urina

Ali, de frente ao mictório, segurando o seu pênis, a unica coisa que ele ouve é o som da urina batendo na porcelana branca, espalhando gotículas, gotículas que deveriam aliviar mas não aliviam.
Ele está sozinho; fato esse que o faz pensar na solidão do mundo, na solidão de viver, em duas sensações opostas, ele pensa no prazer de mijar, e na tristeza de estar sozinho.
Sobe o zíper com cuidado, espera alguns segundos enquanto olha para as pedrinhas odoríficas cor-de-rosa, aperta a descarga e vê a água, antes amarelada, sumir. Caminha em direção a porta, mas volta ao se esquecer de lavar as mãos, não tinha o hábito, mas naquela tarde lhe sobrava tempo, e quando se tem tempo a pior coisa que se pode fazer é não fazer nada. 
Quinze horas. 
De volta a tua casa , na esquina da alameda com a avenida, ele se encontra deitado no chão. O resto do café esfria na caneca, onde as moscas repousam livres. 
Ele queria ser livre, na verdade pensava nisso o tempo todo, e o mais cruel disso é que ele não era adepto daquela máxima de "...pensar é fazer" logo, não fazia nada. 
Pensando no nada, aquela altura ele constituía seu ser em nada. 
"Aquele almoço não desceu adequadamente" pensava ele. "As pedrinhas cor-de-rosa ao menos não eram sozinhas." voltou a pensar. Naquele momento ele preferia viver sob urina e se desfalecer-se na mesma, mas vivendo assim em companhia, do que viver sendo ele sozinho. 
Ele disca um numero no telefone. Alguém do outro lado atende. Ele fica mudo. A voz insiste.
"Oi" ele diz. 
"É você?" a voz responde.
"Sim" ele murmura. 
"Eu estava esperando você." diz a voz calma.
Ele olha para os seus pés descalços. Olha para o tapete sujo. Olha para as moscas livres que repousavam agora num resto de comida sobre um prato no chão. Elas são livres, sobre o pedaço de frango de ontem. Ele viu que era livre como a mosca, da forma como vivia afinal, ele conseguiu. 
A sua liberdade agora lhe dava náuseas. 
Ele pensa novamente nas pedrinhas odoríficas cor-de-rosa, unidas até sumirem na urina de um cliente do restaurante chinês. Pensa na solidão.
"Estou indo" ele responde.
"Eu te amo" a voz sussurra.
Ela desliga.