domingo, 18 de dezembro de 2011

Sobre a complexidade do conhecer

És isso, e isso sempre há de ser?
Cette insécurité.
Você. - ela diz - Onde vás?
Eu não sei. Enquanto ela me olha, não sei mais se a conheço.
Ela ri, sorrindo. Sua indignação, sua vida. Seu esmalte, sua cor. O que são?
A mulher, la femelle, moi?
Quando ponho meus olhos em suas mãos penteando os cabelos, o que és tal abstração? Aquele sentir daquilo que não se conhece. Sei onde moras, o que faz. Sua flor, seu humor, disso eu sei mas desconheço-a em si, teu sentir enquanto sendo você, teu sorrir, teu chorar - sua dor. Sua perspectiva de ser você em-si.
Na escuridão, os passos do conhecer vagueiam pela relatividade do que penso que és para mim em teu para-si, teu ser em ti, por ti, pour vous, egoísta - mas permitido pela moral que desconhece como arbitrar tal liberdade.
Tal complexidade não vive só, convive com a duvida que por si só dorme aos pés dos sentimentos esses sim eternos desconhecidos do ser, mas sim também tão palpáveis.
E se existir for o viés de tal leitura, bem como os sinto, tais sentimentos, eis então uma definição para o conhecer-te: existe por fim tal objeto, independentemente de seu profundo entendimento que reflete minha pobre metafisica, tal relação existe, você ali e eu achando que lhe conheço.
Mas não me engendro em tal leitura. Sua existência por si só não me faz olhar-te muito além daquilo que penso ser você em sua profundidade essencial, teu ser-em-si. O que me leva a perguntar: és somente para ti, e sempre assim viras a ser? Seguindo a consequência lógica, sendo eu para mim como tu, ambos somos juntos  dessa forma algo além do que somos a nós mesmos? Algo em particular? Construímos de fato uma nova fundação do que seriamos nós mesmos, que transcende o que somos por si só? Sou contigo algo além do meu ser-em-si? Mas se consolido meu ser-em-si pela experiência, tal transcendência antes exposta só se validaria se de fato experimentássemos ambos nossas essências existenciais legitimamente. Se nos conhecêssemos.
Revenir au problème d'origine.
Posso ainda dizer que lhe conheço? Como uma mãe conhece um filho acima de qualquer experiência? Tal laço incrivelmente forte, enraizado e irracional nos é permitido em toda relação humana?
Terei que viver cinquenta anos contigo para dizer que te conheço, como tu sendo vós mesmo, seu ser-em-si? - ela pergunta.
Não sei a resposta. Mas tarde agora, não sinto mais necessidade de tal questão, que dirá tal resposta...
Existo antes de tudo, e depois? Et mom avenir? Me apego agora a experiencia. Me apego a ser-ai, ser-para.
E se tal transcendência existencial, ser-em-si além de mim, soar como sempre - uma fantasia filosófica, como seria pensar em transcender por ti conhecer?

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O estranho mundo da mulher amada

Adormeço.
Acordo em seu quarto, no chão, e não te vejo.
Abro a primeira gaveta da cômoda branca forrada de adesivos. Afundo a mão em algumas calcinhas, enrosco o dedo em um sutiã preto surrado, mas no fundo encontro uma caixinha de madeira. Caixa esta que insiste em não abrir: arremesso-a no chão. Papéis se espalham pelo ar e algo duro cai. Reparo bem e distinguo um dedo anular ornamentado por um anel de prata.
Acordo novamente. Agora deitado sozinho no colchão. Olho pro lado você ali está, dormindo.
Te acordo com um beijo, você sorri. Lhe conto sobre o sonho estranho que havia logo a pouco me ocorrido, novamente você ri, agora de forma mais recatada, frágil e comedida.
 Faço um café, busco um pão e coloco a mesa. Você custa a vir, mas vem. Senta-se em cima de uma das pernas entrelaçando um dos seus pés brancos no pé da mesa enquanto o outro dança ao léu. Come uma torrada, reclama do café, me beija e se tranca no banheiro.
  Me retiro até a varanda apanho o jornal, sento no primeiro degrau da escada e logo desisto de ler qualquer coisa. Fico sentado olhando pro quintal do vizinho. Uma criança pula corda sozinha. Sua mãe ao fundo deitada na rede cochila tranquila. Reclino até encostar as costas no chão de madeira. Olho pro lustre embrenhado em teias de aranha. Um inseto preso se debate inutilmente. Após alguns minutos olhando pro inseto condenado meus olhos lentamente se fecham. Perco o tempo. Em seguida ouço passos se aproximando. Uma brisa carrega o teu perfume. Você se deita ao meu lado em silêncio.
O tempo passeia livre.
Abro os olhos e me viro. Você me olha e diz "fui tomar banho e lembrei que te amo".
Uma sensação quente de perplexidade afetuosa sobe por mim até avermelhar as minhas bochechas, eu sorrio sem ter o que dizer. Volto o olhar para cima novamente, envergonhado, e percebo que o inseto escapou. Mas logo me vem a sensação de que talvez ele esteja morto.
Solto um suspiro e pergunto "foi por isso que você demorou?".
Você me olha risonha e responde "não, o resto do tempo eu fiquei tentando te esquecer."
"Não funcionou, né?" repliquei.
"É..." você respondeu.
"O amor é meio assim afinal" eu digo.
"Meio o que?" você pergunta.
"Um exercício de incapacidade prazerosa e uma constatação feliz." eu respondo.
"É... deve ser... hum, não..." você resmunga algumas sílabas "é..." você afirma suspirando.
"Quer ver um filme?" eu pergunto.
"Quero" você responde.
A vida sim segue livre.

sábado, 22 de outubro de 2011

Sincero, restrito e seu

Era espontâneo, eventual mas agradável.
Naquela tarde chovia fino, mas a fina gota cantava um som agudo quando batia na telha vermelha.
Alguns pequenos detalhes; algumas expressões sinceras de quem não quer se expressar mas adora faze-lo. 
De quem procura ser delicado, e o é sendo sutilmente reservado, mas se expõem. 
Tamanha exposição me afeta.
Contraponho tentando ser assim, de lá sutil, aqui desprovido, acabo ali aberto.
E do espontâneo vagamente brincou em ser condicional quando não o era esperado. Mas por quanto esperou que inesperado se foi e não veio. 
E fez falta. E tal falta era presente. A típica ausência que ocupa um lugar no cinema, sentada na poltrona ao lado, que só levanta quando o filme acaba.
E nunca é tão longo quanto deveria tais longas-metragens, tais vidas.
Era um viver. Ou poderia ser.
Naquela tarde chovia, mas não chove mais. 
Era espontâneo como essa chuva que eventualmente acaba mas que nunca termina.
Espero que agradável sempre seja.
Espero sempre agradar.
Espero por esperar.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Espontaneidade reprimida

A vida é possuída por metáforas. E as metáforas ficam a mercê de minha pessoa.
Ontem em um bar ela disse oi e sentou. Olhei seu decote por que ali estava exposto no reflexo do pires repleto de amendoins verdes. Havia ela, amendoins, mas não havia cerveja. Tirei do bolso uns trocados, umas moedas sujas embrenhadas em notas de um real. Pisquei pro garçom de olhos verdes ele acenou e por detrás do balcão agarrou uma garrafa, seus dedos marcados na fina camada de gelo que crescia na Skol trincada; com destreza ele abriu, a tampinha voou, rodopiou três vezes e caiu.
 - Você bebe? - perguntei a moça que vestia um tamanco surrado.
 - Só nos feriados. - ela respondeu distribuindo sorrisos.
 "Isso deve ser um sinal" pensei.
 - Isso foi um sinal? - indaguei.
 - Sinal do que?
 - Sinal de sexo.
 - Não foi só um sorriso mesmo.
 - Há... e o sexo?
 - O que tem?
 - Vai rolar?
 - Não sei, você é bom?
 - Devo ser. Eu leio bastante.
 - E o sexo?
 - Bom... vamos beber uns três copos que eu crio coragem pra mentir.
 - Ha ha! - ela soltou um riso recatado tentando se conter.
 - Minto por que assim trepo, ou trepo porque minto? - pergunto matando mais um copo de cerveja com um sorriso desenhado a mão no rosto, tão safado quanto Dalí.
 - Na minha casa ou na sua? - ela responde.
 - Na sua, na nossa.
 - Ha ha! - sua risada entonada e gutural ecoa no bar como um canto lírico.

Escuto um jazz no fundo. Uma canção invade o bar. A melodia do sax tenor vai se expandindo e ganhando forma, se elevando acima das vozes, não escuto mais os risos daquela mulher. A cerveja some. A tampinha se transforma. Vejo ponteiros marcando as horas no visor do celular de onde ecoa a música.
Estou acordado.
Espontaneidade?
Sonho.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Esboço de um ensaio sobre o sentido

Pergunto sobre Deus e acabo me achando nas perguntas.
Analiso a morte e acabo me deparando com a vida.
Busco um sentido e acabo não achando; mas sinto.
Aquilo que definia como um profundo nada de uma angústia doce, hoje ainda continua sendo um nada, mas um nada impregnado que habita na razão.
Me fortaleço com o dito da fé que começa no fim da razão. Fé essa que não compreendo e que justamente por isso vai além de ser.
Se existir é simplesmente ser, respiro porque vivo, sinto, sangro, choro, envelheço, perco a visão, adoeço e termino de viver. Mas se existir for algo que é não por simplesmente ser em si, mas em algo, me pergunto onde habita a razão? Na fé? Se assim for a fé seria a representação subjetiva de Deus no plano da razão. Um nada na dor da existência humana metafisica, um tudo no berço da razão. Deus é o sentido. E por mais satisfatória seja essa definição para mim, procuro melhor entende-lá. Assim como quanto mais lentamente eu comer uma maçã, saboreando os detalhes, percebendo a textura, notando as minúcias daquela experiência, melhor poderei explicar como aquilo é.  E se é algo que, à um determinado ponto da vida, não se vive sem, a explicação, a experiência se sustenta na ausência que aquilo trás a quem não experimentou. Descrevo uma sensação que simplesmente sûpri a falta de sentido, isso é chamativo, mas só procura isso quem sente essa determinada sede. Aqueles que suprimem sua falta de sentido no ter insaciável que impera no capitalismo vigente, nada se pode fazer se não mostrar o vazio de existir.
É no nada humano que nasce o tudo além da razão, o sentido. É na escuridão que se vê a luz. É na perda da esperança por um sentido da razão que estamos livres.
E essa liberdade sim é livre de si mesma.

terça-feira, 26 de julho de 2011

A morte de si mesmo

O que há para se escrever que não tenha sido escrito?

Certo dia caminhava Vinicius Souza pela calçada. A caminho de uma padaria seus passos eram obstinados mas calmos, olhava para o chão enquanto o vento despenteava seu cabelo já despenteado. As moedas dos trocados que sua mãe havia lhe dado resvalavam uma nas outras dentro do bolso de sua calça amassada, produzindo um som continuo que trazia em sua mente a lembrança de pequenos sinos de natal. Algumas pessoas cruzavam a rua nos intervalos do trânsito que era leve aquela hora do dia. Pessoas bonitas, uma senhora passeando com seu poodle branco, crianças correndo sem rumo, motos, a moça do correio pedalando sua bicicleta, era um dia normal no pequeno bairro.
 Sutilmente algo cruza a frente de Vinicius, seguindo o vulto preto com os olhos ele pode notar que era um rato que saía da casa em frente. Por alguns segundos o rato ficou ali parado esperando algum movimento de Vinicius, que não fez nada se não olhar fixamente para aquela bolinha de pelos escuros que ali estava. E em completa distração, enquanto o rato seguia seu rumo, Vinicius seguiu andando, cruzou a avenida lentamente durante o verde do semáforo, e do outro lado, longe ele pode avistar alguém vindo em sua direção. Um homem forte correndo desesperadamente. Aquela figurava foi chegando mais perto e Vinicius instintivamente foi abrindo caminho se encostando na parede chapiscada. Quando o homem cruzou por ele, deixando no ar um aroma de sabonete, Vinicius acabou se esbarando ombro a ombro com o desesperado rapaz, que sorriu se desculpando com um olhar desentendido e se pôs novamente a correr.
 Se passaram vinte minutos e Vinicius caminhava de volta para a casa, em sua mão uma sacola plástica contendo cinco pães franceses, e mais alguns quitutes. Exceto pelo rato, as mesmas pessoas ali estavam por todo o caminho de volta. Virando a esquina de pé em frente a um edifício em construção, ele avista uma bolinha fazendo contraste no asfalto no meio da rua e se poem em direção ao pequeno rato que ali estava. Por alguns segundos novamente ambos se encaram, Vinicius de cócoras no meio da rua, e o rato sendo um rato na imensidão do asfalto quente. Vinicius sorri enquanto o rato segue em direção a um entulho de lixo nas margens de um edifício em construção. Vinicius segue o rato até ele sumir de vista em meio a lajotas e sujeira. Ele puxa da sacola plástica um pão francês e cortando um pedaço com a mão estende em direção ao buraco da lajota em que o rato havia entrado. Após alguns segundos uma pequena cabecinha curiosa aparece assustada, cuidadosamente o rato agarra o pedaço de pão com a boca e foge depressa de volta ao buraco.
Vinicius ri daquilo tudo se levantando para ir embora. Repentinamente algo vem de cima. Uma lajota semelhante a qual o pequeno rato agora habita vem rasgando o céu do ultimo andar do edifício. Se ouve um som abafado, um estalo molhado e oco. A lajota afunda a cabeça de Vinicius espirrando na parede recém pintada um jato viscoso de sangue. Lentamente ele cai na calçada.
Vinicius Souza não mais habita em nosso meio.
Eu matei, eu morri.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Liberdade

Não se trata de necessidade. Vai além de instinto. O que sinto por ela não nasce da vontade de ter, mas da ausência de ser.
Sou porque a amo, e só consigo amar depois que a tenho.
Nu. Sem desejos e propósitos.
Em cada suspiro sinto sua falta. Em cada sentir suspiro.
Eis minha paixão, razão de minha tristeza.
Hei de ser livre, ó liberdade?

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Nada mais do que nada

Há agora o que não havia, como sempre há de ser.
O chamo de nada mas já não se encontra vazio.
Me pergunto se alguma vez ele não esteve cheio, vivo, livre.
Salvo a parte que me toca, sinto-me em busca desse nada, tão palpável, como fogo sinto-o e a medida que me aproximo dói, me afasto pois queima.
Já não chamo doce, aquela angustia - somente angustia agora és; sozinha.
Outrora acreditava no princípio de compartilhar tal existência, hoje compartilho com a solidão o desejo, e com o tempo a espera.
Respiro um ar desesperançoso de inverno, inverno da alma. Uma após outra se vão as sensações expressas se atropelando, expressando uma vontade, expressando uma vida?
Uso do subterfúgio das questões para fugir do que não entendo.
E tão pouco me ponho a entender sobre ti, sobre o oposto do eu, o outro. Que já não sei se irei sonhar novamente em ser livre.
Não ouso perder tudo para ver que o nada é algo também. E se no nada ainda tornarei a precisar, a querer, fico com o pouco que tenho.
Deixo a angustia dançar com a vaidade, para poder dormir nos braços de uma vida descompromissada, que é algo e não nada.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Esperando acontecer o que não me fará mais esperar

Espero.
Na sutileza de um acolchoado debruço minha cabeça e aguardo.
Aguardo a chuva que não vem. Há cinco minutos o vento alertou-me de que ela existia, soprando na fresta da porta os murmúrios de um ambiente aconchegante que as gotas minúsculas trazem ao caírem de mansinho nas telhas umedecidas do telhado. Mas agora passado esse tempo ela não veio.
Sua ausência por conseqüência ficou aqui presente, visto assim que até a ausência por fim existe, e como existe!
Essa ausência que permaneceu trazendo esse mesmo sentimento de conforto, de sossego e paz que outrora só vinha com a presença real da chuva, me fez ver que de fato ela se encontra além das gotas oriundas do céu, ela está alojada em mim. Ali onde a vontade é sucumbida, como diria Schopenhauer, ela está. Ela é a minha fatia do bolo de  glacê do transcendentalismo que habita o mundo das idéias. Entendo agora que ela venha fácil e sempre com a chuva, que é tão bela e afastado do querer, mas não é da chuva que ela nasce, e como poderia?
Por fim agora me indago o que mais me leva automaticamente a essa conforto platônico, assim tão simples, pouco burocrático e intelectual como os livros de filosofia, simplesmente me afundando num prazer de expressão, as vezes poderia ser um sorriso de minha mãe quando eu levo o café até a mesa nas tarde quentes de Cachoeira, mas esse sorriso só me traz o conforto e não a inspiração depressivamente doce.
Me resta aguardar. Não insistirei mais em tal indagação, deixarei-as vir assim sutilmente até mim desapercebidas da reflexão intelectual, como há cinco minutos quase veio a chuva, talvez assim esses fenômenos serão mais eficazes julgando que são raros os momentos em que o querer se afasta.
Como será a próxima vez que a chuva cair?
Espero.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sobre uma ausência ainda latente

 Assim como um coração que ainda bate, onde nos pulsos se pode sentir a vida palpitar, habita agora aqui dentro a ausência ainda presente. Na tênue linha que defini o estar aqui, do já não estar mais, se encontra dividida também a certeza de que por aqui ainda se pode pressentir a sua presença embora já não posso mais sentir num abraço aquele existir.
 Assim como os ponteiros de um relógio que separa um segundo do outro, se consiste a fragilidade da vida que se ressalta na ausência que toma todo o ser. Essa ausência tão presente agora, tão palpável, tão amarga e doce ao mesmo tempo, amarga por não se sentir ao toque, e doce por ainda te manter aqui no coração a palpitar, vivo, na lembrança de um sorriso, de um olhar sereno e vivido de quem muito sabe sobre a vida, num andar calmo e compassado como a doce melodia de um antigo violão, vivo nas palavras que foram ditas e nas que se expressaram no silêncio.
 E o que é o amor se não isso? Algo que se expressa no silêncio, algo que se consolida num viver presente, numa vida compartilhada, num se relacionar em pról de um outro ser. Algo que se fortalece num abraço forte e longo, onde os corpos se unem, onde a sutileza de um toque desmonta qualquer mágoa, onde o amor se define.
 E é nessa ausência ainda latente que jaz em mim agora em prantos, tão consistente e suave como as lágrimas que escorrem pelo rosto, que esse amor toma ares de eterno. Cravado no coração esse amor agora não mais existe somente no lado humano, mas sim, vive agora também no céu.



*Em memória do vô Chico...

terça-feira, 12 de abril de 2011

Sobre ela

Foco meu pensar no escrevê-la, mas já caí onde temia.
E esse vento que escorrega pela parede até mim, asopra friamente esse fato. Não tenho mais a depressão doce que alimentava a solidão. Tenho só, sim, a mim e a ti, a pretensão de unir-nos e a constatação de que nada tenho enfim. E se posso ter o "não ter", isso me alegra: num horizonte dialético tenho-a aqui. E aqui o "a", vai além de uma primeira letra de um livro alfabético, vai além de minha capacidade de organizar uma relação humana em palavras. Mas não vai além daquilo que se pode sentir.
Escreve-la é tão inimaginável quanto racionalizar o que sinto. Senti-lá da o sentido que a ausência das palavras me rouba. Dá a ela um sentido pro sentir, e a mim a incapacidade em descrevê-la.
Já não foco mais o meu pensar. Pois se penso existo, e se existo é aqui, e aqui ela não está.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A porta

A porta não abria.
Com seu punho fechado ele esmurrava incessantemente, mas ela não abria. Pequenas marcas de sangue se desenhavam delineando na madeira a fúria de um ato. Um ato; ele era isso. Mero e fútil ato. Sua vontade não sucumbia ao puro fato da porta estar fechada.
Por toda a sua a vida as portas se mantiveram fechadas. Por toda a sua vida ele resistiu. Mas naquele momento ele queria entrar. Houve um determinado momento em que a luz era necessária por inteiro; já não bastava aquela fresta, aquele fio de esperança que entrava por de baixo da porta.
Aquilo que ele esmurrava podia ser qualquer coisa, mas era uma porta. Para ele não passava de um rosto pálido de alguém que ali não estava quando ele precisou. Sentia abrir a pele por sobre seus punhos, em sua cabeça já não se podia dizer da onde o sangue jorrava. Seus pés firmes. Seus olhos lacrimejando. "Me tire daqui!" ele dizia.
 E aquilo, que para ele era um rosto pálido, agora sorria, os dentes sujos de sangue apareciam um-a-um, a testa franzida, o olhar sereno. Sua vontade sucumbiu. Ele já não batia mais. Não queria saber por onde andava aquele ser ausente. Não queria mais buscar ajuda. Já não queria se ver livre da solidão. Seus olhos aos poucos foram acostumando com a escuridão negra, lentamente a luz que antes mal se via entrar por de baixo da porta, tomava o quarto por completo, trazendo vida. Sua mão ficou mais leve, ele havia parado de chorar, somente uma gota atrasada caía, deslizando abaixo por sua face até o nariz.
Já enxergava a maçaneta.
A porta abriu.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Reticências

...
Sou? O que sou?
Deixo elas falarem por mim...
Se existe algo de fato que possa ser definido, me indago sobre o que me define.
E cá elas estão...
Três pontos, que seguem infinitamente, empunhando em suas bainhas nada mais do que o pensamento alheio de quem as vê...
E bonitos são esses pontos, não dão um final como fazem quando estão sós. Não mais um ponto final, mas três pontos à deriva do que vier a ser pensado, sem um controle. Três pontos que vão com o fluxo d'água.
Irônicamente, há como se pensar que eles são empregados para algo que é mais do que o óbvio, e que não precisa assim mais das palavras para ser expressado - que pela simplicidade é fácil de supor o sentido.
E não sou eu assim? Ou não somos assim num todo?
Mera reticência num vulto de vida onde ninguém sabe o que quer? Onde fica, o vago futuro, a mercê do exercício de pensar?
E quão irônica é a nossa vida cujo o qual de tão simples é seu sentido, que palavra alguma precise ser dita. Ou quão complexo também pode ser que palavra alguma baste.
Somos mera reticência. Somos pontos de um final que começa assim que nascemos.
Por fim num mundo onde há espaço pra definição, ela é a minha.
E o que ela é sem mim? Sem o meu raciocínio humano?
Ela me define...
E eu defino ela...

quinta-feira, 10 de março de 2011

Fritz Lang e a felicidade

Grilos...
Quando o barulho cessa, são o único som da noite.
Noite longa essa, a tv no mudo, as cenas de Fritz Lang sem som.
Dois dias atrás, enquanto pensava em pensar, cheguei a conclusão de escrever um texto feliz. Sem muitos pontos finais, sem aquela nuance triste em lá menor. Aquela felicidade de ir ao cinema em um domingo qualquer. Pensava em rezar aquela ladainha racional da felicidade que não se precisa almejar, da busca por um ideal de felicidade socialmente construído; continuaria dissertando máximas da ideologia alemã, sem interesse algum de um ser-humano qualquer, simplesmente por serem-humanos felizes.
A dois dias átras... hoje não.
Com o rélogio marcando quase quatro, não sei o que dizer sobre felicidade, o que me leva a pensar que talvez não seja feliz. Eu costumo, e aprecio saber o que dizer sobre o que sinto, logo ou felicidade não se sente, ou eu não sou feliz.
Nenhuma das alternativas me deixaria surpreso, tão pouco feliz.
Talvez esteja aí o problema da falta de felicidade. Não me importo mais em saber as respostas das perguntas que sempre aguçaram minha vontade, e como disse nosso estimado alemão, o mundo é vontade e representação, vontade essa que constitui parte do meu conhecimento, da minha razão, razão essa que me falha agora, me tirando as palavras que a dois dias as tinha fresca como tinta na ponta de uma pena, pronto pra escrever um texto feliz. Essa falta de interesse sobre as questões que regeram minha vida até aqui me fazem concluir que não é  por saber demais que me falta a felicidade, pois o que sei é muito pouco, ou quase nada, sendo assim me pergunto: se eu soubesse o que é a felicidade ainda assim não seria feliz?
Contudo uma coisa eu posso concluir, a felicidade não se alcança fazendo algo, não se baseia no verbo fazer, em agir, ela não é resultado de algo que você faz, mas pelo contrário, ela deriva das coisas que não fazemos, no ato de não fazer, não sei se é possível não fazer algo pois não fazer é fazer, fazer nada afinal, mas vou manter-me nos limites da análise sobre ser feliz, logo nesse contexto colocarei o não fazer como o oposto do fazer, sem qualquer merda filosófica de final de carnaval.
E há quem possa dizer que viver a vida em sua magnitude explendorosa cada dia como se fosse o último seria algo que torna um ser-humano feliz, mas só de pensar no que você pode fazer pra se tornar feliz automáticamente te deixa triste justamente pela impotência em conceber tudo o que o desejo humano almeja, e isso exclui a possibilidade de ser-feliz  das pessoas menos favorecidas à margem social, mas ainda assim alguém pode ser feliz fazendo isso, julgando pelo fato de eu não saber o que é a felicidade, mas eu não consigo.
Pra mim a felicidade está em não fazer, fazer é fácil simples e prazeroso, não fazer é conveniente, doloroso e difícil de se conceber, mas é extremamente libertador. E não há coisa mais feliz do que essa sensação libertadora, e quando eu digo liberdade não é me refiro aquele clichê de um status utópico e mesquinho de revolta juvenil burguesa, me refiro em ser livre de nós mesmos. A liberdade que se tem quando você se depara com as coisas que você não faz, esse limite que é imposto quando você se submete a não fazer algo é incrívelmente difícil para alguns, podemos fazer tudo, porque tudo nos é permitido, mas a conveniência é uma merda! é cômoda e não te leva a nada, não devemos fazer algo por conveniência, já não basta o mundo viver assim, não se obtêm a felicidade sendo conveniênte, mas se busca decididamente, é difícil, mas como eu disse é libertador, e é aquela liberdade que só se encontra no nada.
É na perda da esperança que você encontra a felicidade. É perdendo tudo que você está pronto pra viver.
Como disse Tyler Durden: "I say never be complete, I say stop being perfect, I say lets evolve, let the chips fall where they may"
É por isso que eu ainda não sou feliz.
O som dos grilos ainda ecoam pela sala.
A tv continua no mudo, Fritz Lang ao som dos grilos.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A poucos passos de casa

A poucos passos de casa, enquanto caminho, me sinto longe.
Distante demais pra voltar, e distante demais pra chegar em qualquer lugar.
As pedrinhas rolam pelo asfalto, e eu sigo chutando-as. Minha testa molhada. O suor escorre em meus olhos.
O vento deixou de soprar, naquele instante o ar me aqueceu, parei na esquina me joguei sentado num canto.
Tirei meus sapatos.
Segui andando assim que o vento voltou, ainda estava a poucos passos de casa. Devo prosseguir, tempo livre eu tenho.
Tempo...
Quando não o tinha, sentia sua falta, agora que ele sobra, não consigo ao menos usar meu relógio de pulso: aqueles ponteiros girando me dão náuseas!
Houve um dia em que o tempo era só uma palavra, assim como futuro, responsabilidade, sociedade.
Chego até a beira do rio. Cortei as mãos ao pular a cerca.
A poucos passos de casa, eu mergulho. Mergulho mas não sinto a água em mim. Mergulho mas continuo a respirar.
Abro os olhos, estou em minha cama. Olho pro chão e lá estão meus sapatos.
Levanto.
Estou em casa.
A poucos passos de mim.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A urina

Ali, de frente ao mictório, segurando o seu pênis, a unica coisa que ele ouve é o som da urina batendo na porcelana branca, espalhando gotículas, gotículas que deveriam aliviar mas não aliviam.
Ele está sozinho; fato esse que o faz pensar na solidão do mundo, na solidão de viver, em duas sensações opostas, ele pensa no prazer de mijar, e na tristeza de estar sozinho.
Sobe o zíper com cuidado, espera alguns segundos enquanto olha para as pedrinhas odoríficas cor-de-rosa, aperta a descarga e vê a água, antes amarelada, sumir. Caminha em direção a porta, mas volta ao se esquecer de lavar as mãos, não tinha o hábito, mas naquela tarde lhe sobrava tempo, e quando se tem tempo a pior coisa que se pode fazer é não fazer nada. 
Quinze horas. 
De volta a tua casa , na esquina da alameda com a avenida, ele se encontra deitado no chão. O resto do café esfria na caneca, onde as moscas repousam livres. 
Ele queria ser livre, na verdade pensava nisso o tempo todo, e o mais cruel disso é que ele não era adepto daquela máxima de "...pensar é fazer" logo, não fazia nada. 
Pensando no nada, aquela altura ele constituía seu ser em nada. 
"Aquele almoço não desceu adequadamente" pensava ele. "As pedrinhas cor-de-rosa ao menos não eram sozinhas." voltou a pensar. Naquele momento ele preferia viver sob urina e se desfalecer-se na mesma, mas vivendo assim em companhia, do que viver sendo ele sozinho. 
Ele disca um numero no telefone. Alguém do outro lado atende. Ele fica mudo. A voz insiste.
"Oi" ele diz. 
"É você?" a voz responde.
"Sim" ele murmura. 
"Eu estava esperando você." diz a voz calma.
Ele olha para os seus pés descalços. Olha para o tapete sujo. Olha para as moscas livres que repousavam agora num resto de comida sobre um prato no chão. Elas são livres, sobre o pedaço de frango de ontem. Ele viu que era livre como a mosca, da forma como vivia afinal, ele conseguiu. 
A sua liberdade agora lhe dava náuseas. 
Ele pensa novamente nas pedrinhas odoríficas cor-de-rosa, unidas até sumirem na urina de um cliente do restaurante chinês. Pensa na solidão.
"Estou indo" ele responde.
"Eu te amo" a voz sussurra.
Ela desliga. 


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Aqui jaz o pecado

"Nós que já moremos ao pecado, como poderíamos ainda viver nele?" - disse Paulo.
Morrer...
Eu peco por que dizes, ou peco porque assim sou por princípio pecador?
A falta habita nos motivos alheios. O errado é consolidado no outro.
Nos constituímos seres errantes porque assim somos, ou porque assim pensamos?
Amor!
Aqui jaz o pecado.
Com o que mais nos preocuparmos se não com o amor; que diferente de tudo que se diz, não passa de uma simples escolha?
O que sentimos, o que nos move, o que achamos ser algo que nos traz felicidade, são fortes sensações biológicas.
O amor é um ato. O ato de escolher. Sem porem ou motivo, sem propósito, expectativa ou até mesmo esperança.
Completo desinteresse!
O pecado morrerá definitivamente assim que nós amarmos o outro puro e simplesmente desinteressado de tudo o que buscamos sentir, e não amarmos pelo prazer que isso nos dá. Amarmos sem qualquer ponta de esperança de que aquilo lhe trará algo de bom.
O amor não é palpável justamente por que é um ato e não um sentimento. Não se sente o amor, se ama.
Devemos morrer para esse amor sensível, assim como já morremos para o pecado.
Somente dessa forma poderemos viver o princípio básico e exclusivamente único do cristianismo:
"...amar o próximo como a ti mesmo"
Morreremos para a vida afinal, para enfim vivê-la.