O vazio que há quando seu nome vira som.
Entre o amargo gosto do sofrer e do sorrir: tens razão em não dizer, não fluir.
Sexta-feira no bar lhe vi. Por instantes não senti, notei-te escura, sem brilho ao lado de uma porção de pessoas. Em prontidão a mijar no mictório enferrujado mirava as bolinhas brancas e não mais te via, mas ali na ausência eu sentia.
Talvez a presença que habita, aquela clareira que abre o negro das folhas como a urina que espalha o que molha, esteja sempre lá a partir do momento em que abriste-a em minha vivência. E tal presença me conforta mais do que concretamente ter-te em meu campo de visão. Ver-te é pesado demais, carrega, enche e ainda assim é não, é choro seco, é vão.
Resta uma pergunta: isso é orgânico?
Pressiono esse sentir que paira equilibrado por sob meu estar e espremo uma sensação que chamo de você. Esse você se distingue da gama de variações as quais me permito fabular sob meu próprio entender, ainda assim não é precisamente você, obviamente você ainda senta no bar de pernas cruzadas com a meia calça marcando na ponta da cadeira; aquele númeno de batom que contraria as regras empíricas: não é aquilo que abre o espaço em mim, mas é presente.
No jogo entre o fisiológico e o fenômeno sobrevive uma dialética que alimenta uma pulsão interna que na maioria das vezes é mais substancial do que propriamente você. A essa dialética chamo você-em-minha-vivência. Nesse mundo subjetivo, onde entendo um eu não isolado mas constantemente moldável pela vida concreta, sofro um sofrimento sem dor, um vazio de um dizer.
O vazio que eu ouço quando seu nome vira som.
Um vazio que preenche quando essa imagem de você reaparece perante meu olhar, mas que não se mantém por ser em demasia, sempre transbordante escapa.
É isso, você, inspiração.
sexta-feira, 12 de maio de 2017
terça-feira, 14 de março de 2017
Ensaio sobre as Relações Humanas
Permiti-me notar, nas entrelinhas da ansiedade, um casulo de
intenções latejando sentimentos aos quais o refugo de experiências vividas me
absteve de conscientiza-los. Sofro do mau do século, estabeleço diretrizes de
controle dos afetos do cotidiano para me afogar na frivolidade densa das formas
de comunicação virtual. Evidencio a contradição. Despejo os sentimentos
organizados da vida real nos acasos incontroláveis das relações virtuais. E não
sinto nada líquido, tudo é pastoso demais para diluir. A espera entre uma
conexão-um-clique-um-like-uma-solicitação, um diabo gordo enfadonho espreita:
consome-se qualquer delírio de conforto social. Não sei viver nesse imediatismo
procrastinado. Só percebo contradições.
Outrora havia o jogo social, o flerte inflamado por ocasiões
do cotidiano, com seus acasos com certeza, porém de certa forma estabelecidos,
aos quais as beiradas podiam ser observáveis, havia uma visão (falsa ou não)
das possibilidades alcançáveis, no melhor cenário podia-se evitar desconfortos,
constrangimentos, ou na pior das hipóteses o amargo era servido, sabia-se da rejeição no ato, era-te entregue o não! ou talvez o você entendeu errado... Na
vida real a dor infligia-se, latejava cedo ou tarde, embora a dor não seja exclusiva do real.
No virtual há indiferença, mas uma indiferença redimida,
livre para assim o ser, e a fenda que ela eventualmente abre não se nota
facilmente (se é que se nota); como tudo aquilo que caracteriza um costume, há
uma aceitação, uma regra não inscrita, não preciso aceitar uma conexão-um-clique-um-like-uma-solicitação,
e a vida segue nas engrenagens algorítmicas. Não há o tradicional papel
polarizador do solicitado para com o solicitador, ambas se velam numa condescendência
estabelecida, a relação toma ares de solilóquio, e mais uma vez só vejo contradições.
Na tradicional definição, uma relação se compõe sob a ligação entre dois os mais entes, de forma consciente estabelecendo uma troca de qualquer espécie, psicológica, emocional ou física. E mesmo a indiferença, muito presente ainda, pressupõem tal troca. Todas as partes envolvidas têm consciência do que foi infligido no ato indiferente.
Na tradicional definição, uma relação se compõe sob a ligação entre dois os mais entes, de forma consciente estabelecendo uma troca de qualquer espécie, psicológica, emocional ou física. E mesmo a indiferença, muito presente ainda, pressupõem tal troca. Todas as partes envolvidas têm consciência do que foi infligido no ato indiferente.
Em tempos, ter conscientemente uma solicitação negada não
afeta nada além do que as expectativas correspondiam. Talvez seja a mesma coisa
do que dizer que as relações se dão paradigmaticamente independentes dos
tradicionais padrões. O sentido do termo indiferença nesse caso se altera, pois
ambos os lados são conscientes e todo o organismo de intercomunicação virtual
se dá sob uma estrutura de normas onde laços e afinidades são gerados numa
compilação algorítmica indiferente, agora já nesse sentido renovado, redimido. A verticalidade dos mais diversos estabelecimentos de valores sociais agora é
uma linha horizontal, se mostra ramificada, tudo é posto sob uma perspectiva completamente diferente
da organicidade estrutural arcaica no sentido menos pejorativo da palavra. A
relação, então, não trabalha mais com as noções culturais padrões, ela constantemente
recria realidades e consequentemente reestrutura sentidos, e muito além da
discussão ético-moral, destaca-se a desconstrução artificial (posto aqui simplesmente
como antítese conceitual do orgânico sociocultural) das bases de análise acerca
das inter-relações sociais da internet. A técnica aqui não é mais
condicionante (como pensava Heidegger), ela evoluiu e se diluiu na complexidade das interconexões imensuráveis
que é o organismo cibernético da intranet global.
Portanto não se pode mais falar de duas coisas separadas, o
real e o virtual, e isso se dá simplesmente porque não se pode mensurar as
dimensões, estabelecer as discrepâncias, pois um afeta o outro em um ponto onde
a intersecção se perde na constelação de conexões globalizadas, e tais conexões abrangem o histórico social, o cultural, portanto a manifestação do humano.
Eis talvez o novo cogito de nosso tempo: Tudo afeta tudo, logo sou tudo. Em uma
espécie de transmutação do Uno espinosiano, resta-nos uma única questão: o que
sobrou das relações que agregam e desagregam, daquilo que Espinosa chamou de relações
alegres, e relações tristes, a sua ética? Como se dá a noção de unidade nesse todo novo?
Nesse momento me atenho ao que expus acima, talvez as análises devam
partir sob o signo redimido da indiferença. Porque sabemos que somos
indiferentes e somos indiferentes em assim saber. Sabemos que somos contraditórios e somos contraditórios por assim saber.
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