domingo, 16 de maio de 2010

Destino Inc.

O aroma que brota dessas paredes e prateleiras com todos esses produtos e rótulos diferentes sempre me afundam numa sensação nostálgica. Enquanto empurro o carrinho ouço a minha mãe falando ao meu ouvido sobre como escolher a fruta certa. Por onde quer que eu caminhe a procura dos produtos básicos que constam na pequena "lista de suprimentos", como marca o título escrito a tinta vermelha, que fiz a noite passada enquanto era atormentado pela insônia, não consigo achar nada. Sempre tive essa dificuldade. As mulheres devem realmente possuir aquela "coisa", a tal da visão periférica. Era tão fácil para ela encontrar o que ela queria, que na época eu pensava que as mães tinham uma habilidade especial para achar tudo em qualquer lugar.
Já passa das duas e meia e eu ainda não passei pela sessão higiênica. Preciso de muito tempo para escolher um chá, é quase como escolher o livro certo, você pode perder horas na livraria, mas depois que você começa a saborear cada palavra do livro escolhido, cada minuto gasto vale a pena. Semana passada eu levei um de camomila, pra ver se me ajudava com a falta de sono, não adiantou muito. Dessa vez acho que vou levar esse de chocolate com menta. Nossa! É a ultima caixinha, esse definitivamente é pra ser meu!
A vida é cômica, hoje relembrando esse dia nunca podia imaginar onde cada detalhe me levaria. Era como se naquele momento, cada segundo que eu havia gasto para chegar ali eram premeditados, calculados com precisão cartesiana. A moça que esbarrou comigo na escada do prédio, a chave do portão que esqueci na mesa da sala, me fazendo voltar. O ônibus exatamente três minutos atrasado. O idoso que levou cinco minutos e vinte-e-sete segundos para estacionar seu fusquinha, enquanto bloqueava toda a rua. Cada detalhe hoje me da um sentido diferente, um novo prisma de análise sobre o tempo dentro de nossas vidas. Todos esses fatos, cada ocorrido ao longo do caminho desde do momento em que acordei de manhã, até aquele exato momento em que estendi meu braço para alcançar a caixinha de chá na última prateleira, foram escritos para que eu encontrasse ela. Naquela fração de vida, quando que ao mesmo segundo nossas mãos se cruzaram no ar, meu dedo indicador se entrelaçou em seu mindinho, com seu esmalte verde claro fazendo contraste com a palma da minha mão, consegui sentir o cheiro doce amadeirado que o vento trazia ao bater em seu pescoço. Sua pele era macia como algodão, e seu cabelo de um dourado forte brilhava a luz que irradiava da janela do mercado. Naquele instante tudo parecia mais lento, era como se o tempo havia parado de contar. Nossas mãos demoraram para se desentrelaçarem por completo. Nessas horas você não consegue pensar em algo de bom senso para dizer. Eu só consegui soltar um leve sorriso. Ela me acompanhou rindo enquanto seu rosto começava a ficar avermelhado como os morangos que ela trazia em sua cesta. Em seguida num lapso involuntário que sempre ocorre nessas situações, ambos novamente esticamos os braços em direção da caixinha de chá, dessa vez sem nos tocar-mos.
- Ele é todo seu! - ela disse fazendo um movimento estendendo a palma de sua mão enquanto ria. - Você o viu primeiro.
- De forma alguma, essa caixinha combina mais com você! - respondi, colocando as mãos no bolso do moletom verde que vestia aquela manhã.
- Porque você acha que combina comigo? - perguntou ela arrumando a franja que caia em seus olhos azuis.
- A caixinha é verde como seu esmalte. - disse-lhe rindo.
- Ha, ha! Você tem razão, mas não quero deixar a critério de cor uma escolha de chá!
- Agora é você que tem a razão! Pela primeira vez sinto que alguem entende o que se passa sobre o fator "escolha do chá"! É uma coisa muito importante! - disse num tom de comédia.
- Essa é a vida, enquanto uns perdem tempo com a escolha da camisa certa, outros apreciam a escolha do chá exato da vez! - completou ela sorrindo e continuou:
- O que faremos agora meu caro colega de chá?
Em qualquer outro dia eu teria pego o chá colocado no carrinho dela, me despedido e continuado com as minhas compras sem problema nenhum. Mas naquele dia não! Algo me impulsionava, não sabia ao certo o que era aquela sensação insegura que me percorria as veias palpitando-as num fluxo veloz de sangue. Podia sentir minhas mãos suarem frio. Meus pensamentos me enganavam, e minha memória parecia agir por conta própria. Lembrei de todas as namoradas que tive, do meu primeiro beijo embaixo da ponte numa quarta-feira chuvosa. Lembrei até do que minha avó me disse sobre as mulheres quando eu a contrariei em relação a paixão; "Você se diz passivo as paixões por que nunca conheceu uma mulher de verdade!" Suas palavras naquele momento faziam perfeito sentido, e esse sentido me dava forças, e impulsionavam cada parte do meu corpo até meus lábios trêmularem as primeiras palavras que sairam da minha boca:
- Eis o que iremos fazer minha colega de chá! Só deixo você levar essa tão preciosa e solitária caixinha verde de chá, se você aceitar meu convite para abri-la em minha casa, para assim saborearmos juntos! O que me diz?
Ao terminar essas palavras que eu não sabia de onde vinham, assim como não sabia o que fazer depois de te-las dito. Todo o supermercado parecia ter se calado, num completo e ensurdecedor silêncio. Era como se todas as prateleiras se curvavam para ouvir a resposta que demorava uma eternidade para sair. Até que suaves, e límpidas como as águas de uma cachoeira que desce montanha abaixo, vieram refrescantes as palavras, ditas pela sua doce e suave voz, aquilo era como música aos meus ouvidos.
- Nada seria mais apropriado! Afinal nós concordamos fugir do critério da cor na escolha do chá, mas agora esse critério me parece apropriado.
- Como assim? - lhe perguntei perplexo mais com um sorriso no rosto.
- Ora! Usando das suas palavras: Você combina comigo!
- Ha, ha! Você está certa! - respondi alegre enquanto segurava o meu moletom e continuei:
- São coisas como essa que te fazem pensar sobre os detalhes banais que nos cercam a cada instante.
Segurando a caixinha de chá, caminhamos juntos até o caixa.
- Qual o seu nome? - Perguntei a ela.
- Me chame de Anne. E qual é o teu?
- Vinicius.

E agora eu lhe pergunto querido leitor, será que realmente escolhemos alguma coisa nessa vida?

3 comentários:

  1. Não, não escolhemos; Apenas agimos e dependendo do que fazemos as coisas acontecem ou não.

    Ótimo post, vinicius! Abraços e fique com Deus!

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  2. oii..adorei viuh essa postagem sua!
    olha fiz um blog tbm!
    entra lá pra vc ver!
    só tem uma postagem ainda!
    bjao kerido!!

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  3. Einstein quebrou a cabeça tentando comprovar a existência do acaso ou se de fato tudo que fazemos, involuntariamente nos levaria a um mesmo futuro pré-definido.
    Eu acho que o Samba do Prelúdio cabe muito bem nessa situação que você descreveu.
    Pois, a partir daquele momento discreto no supermercado, tudo sem ela seria a ausência do Amor. A ausência de Deus.

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