quarta-feira, 23 de maio de 2012

A controvérsia incontrovertida de um costume que já foi rotina

 Jazia de costas à cama rodopiando delirante na cadeira cinza de rodinhas em frente ao computador um jovem mocinha. À mente a  dura perspectiva de não ter perspectiva alguma além de ali estar, em contraste com a constatação de que nada mais há para se fazer.
Em constante clique in refresh à espera de alguma  atualização de caráter prazeroso, inerente ao mundo enquanto um casal famigerado trocava fluídos enrolados em seu lençol. Podia ouvir o bater ofegante do amor moderno atras de si, de fato as vezes desviava o olhar a alguma mão ou pé que sobrasse pra fora da cama, mas o celular vibrava, updates se aglomeravam e logo aquilo tudo se dispersava.

 Algum tempo se passa. 

 Um homem caminhando nu friccionando um isqueiro bic azul balbuciando alguma coisa com o cigarro preso aos lábios. Uma mulher tateando o chão procurando a calcinha. Devia ser umas três horas de uma tarde normal. O homem nu liga a TV, salta um ou dois canais variando de comentários de celebridades sobre celebridades se destaca a chamada de um noticiário local, o homem nu foca sua atenção por um segundo à TV. Firme e direto um rapaz bem afeiçoado vestindo terno e gravata diz alguma sobre um jovem rapaz que havia pulado do quarto andar de um prédio aos arredores da cidade, enquanto as imagens cruas eram passadas no televisor, os dados biográficos eram passados ao telespectador (fato esse que aguçara ainda mais a curiosidade do jovem nu), vinte-e-quatro anos, cursava pedagogia na universidade local, deixara uma nota de suicídio manifestando sua total falta de sabor pela a vida e alguma coisa sobre a perda de um sentido à vida social, ao final a TV mostrava a carta escrita em folhas de jornal onde o rapaz terminara com um abraço aos pais e um rabisco de seu nome ao fim de tudo. 
Imediatamente o jovem nu se põem a rir semi-eufórico dizendo: 
  - Olha lá! É ali meu! Tenho certeza! O maluco pulou do prédio da Aninha, puta que pariu!
  - Que Aninha, Gustavo? - respondeu a moça vestindo a calcinha.
  - Aninha porra!  Ana Gusmão! Tá ligado? Aquela bisca loira da facul! 
  - Caralho, é verdade! - exclamou a moça em frente ao computador pasmada. 
  - Puta que merda, eu não acredito! Ahaha! Só tem fudido naquela prédio mesmo. - soltou o rapaz nu caminhando em direção a cozinha.
 Naquele instante a campainha toca, o rapaz próximo a porta abre sem muita cerimônia. Um jovem negro entra com duas moças atras distribuindo comprimentos e acenos a todos enquanto entornava uma latinha de cerveja.  O jovem nu excitado com o ocorrido de agora a pouco, não se contendo, foi logo dizendo:
  - Meu irmão, tu viu que um maluco se matou no prédio da Aninha Gusmão? Agorinha passou na TV meu velho! Ahaha! Que fita! 
  - Jura? - respondeu o jovem negro com um grande desdém quase bocejando. - Ligeiro os piá daquela prédio, não? Quem sabe você se decide e pula daqui à baixo mais tarde... Tem breja ai ainda? Mó sede! A propósito você tava trepando? Bota uma roupa ai porra! Ahaha!
  - Ahaha! Ah seu puto não enche! - retrucou o jovem nu. 

 Mais algum tempo se passa. 

 Celulares vibram e brilham no quarto já escuro. Alguma música pulsando nos falantes de umas pequenas caixinhas do computador. Alguns comentam poucas coisas aleatórias em meio a arrotos e piadas espontâneas. Na TV o noticiário vira talkshow que vira algum esporte de luta. Na vida a manhã se tornou tarde, tarde que virou noite, noite que vira dia, dia que flui, e flui e flui e flui... um fluir sem fim.  



     

Nenhum comentário:

Postar um comentário