quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Ser casado num mundo onde não se sabe o que é casar

Uma vez ele perguntou a ela...
Perguntou a ela "pra que serve servir?"
Ela suada jogada na cama, enquanto tentava acender um cigarro, respondeu "servir serve pra você ter algo pra fazer da vida."
Ele continuou perplexo, levantou da cama, sua sombra à luz dos postes que brilhavam da sacada do primeiro andar, trazia uma imagem densa e onírica. Puxou com os dedos do pé sua cueca vermelha, e enquanto colocava perguntou novamente num tom suave e impostado: "Você se sente útil me amando?"
"Porra! Que tipo de pergunta é essa?" disse ela alterando um pouco a voz.
"Ora, é ruim porque você não se sente ou por que se sente?" indagou novamente o homem enquanto se encostava na grade da sacada.
"Tu não consegue vislumbrar quão idiota foi essa pergunta?"
"Qual delas? A primeira ou a segunda?"
"Porra meu! O que aconteceu contigo?"
"Não sei, só me peguei pensando nisso."
"Afinal, quem disse que eu te amo?"
"Tua mãe me disse."
"Caralho! Você falou com a minha mãe sobre agente?"
"Qual o problema? Ela queria saber sobre a nossa vida sexual. Estava preocupada, sempre me dizia que isso era fundamental na vida de um casal. Ela costumava me dizer que, quando o sexo é bom ele é dez por cento da vida do casal, e quando é ruim, é noventa. Bom... faz sentido."
"Faz sentido? Que porra é essa? Nossa vida sexual é ruim?"
"Ah, não sei amor, queria dar uma no chuveiro de vez em quando depois do trabalho."
"Meu Deus... Não sei o que pior, você falando com a minha mãe sobre nossa vida sexual, ou isso agora!"
O homem caminhando em direção a cozinha, enquanto fazia uma cara perplexa porém inocente, quase ingênua, como quem pensa na vida disse: "Acabou a banana amor?"
"Se acabou a banana!? Vai se foder! Que diabos eu quero saber de banana agora? O que mais você acha de ruim na nossa vida sexual?"
"Ah! Achei uma aqui, estava atrás do saco de maça... Bom amor, eu adoro você né, seus peitinhos e tal, o cheiro do teu cabelo, o corte perfeitamente simétrico de suas pontas louras. Adoro os dedinhos de sua mão pequena, e da curvinha da tua cintura. Na verdade eu só queria dar uma no chuveiro de vez em quando, só isso, sabe? Podia ser na quarta depois da janta, não assisto futebol mesmo. Quarta-feira é um dia de cão no trabalho, umazinha em baixo d'água ia ser perfeito."
"Poxa amor... que gracinha você é... Quer ir pro chuveiro agora?"
Naquele momento após a pergunta, ele parou de comer a banana, jogou a casta no lixo, terminou de colocar na boca a pontinha do resto banana, subiu o olhar que permanecia compenetrado, e calmamente disse:
"É... agora não."
"Porra meu, agora não? É nessas horas que eu não entendo você!"
"Pensando bem, seria legal também, de vez em quando, dar uma na sacada, num domingo de manhã depois do café... é... seria perfeito!"
"Aff... definitivamente eu não me sinto muito útil te amando."
No exato momento em que ele compreendeu as palavras que ela havia dito, num estado de choque, o que outrora era um semblante angelical e calmo agora dava ares de confusão.
"Puxa! Eu sabia... Enfim, agora você vai ter que me responder, já que não se sente útil me amando, pra que diabos serve servir?"
"Cacete! Onde anda tua cabeça? Servir, porra, é... Servir pra alguma coisa faz agente se sentir menos idiota, no mundo sem sentido que agente vive! Pra que serve servir... Aff... Não sei porque a tua fixação nisso agora, só porque você é vagabundo não quer dizer que você não sirva pra nada."
"Vagabundo?"
"É amor, modo de falar, aquele seu trabalho de merda lá as vezes me confundi."
"É verdade... nem me fale. As vezes não sei porque eu trabalho ainda."
"Nem eu.  Meu trabalho não é lá grande coisa também, pensando bem é um lixo."
"Foda..."
"É..."
"Amor?
"Oi?"
"Posso te perguntar uma coisa?"
"Ai ai ai, você tá foda hoje... pergunte."
"Porque agente está junto?"

Uma vez ele perguntou a ela...
Uma vez.

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